domingo, 10 de junho de 2012

Shogun vs Henderson: A Ilíada de Homero


Em 20 de novembro de 2011, quem assistiu ao UFC 139 presenciou história pura ou, como estão dizendo por aí, um épico. Shogun e Dan Henderson (Hendo) proporcionaram aos nossos olhos uma luta de gigantes de total entrega e com fortes emoções, isto é, com reviravoltas proibitivas para um cardíaco. Dois lutadores já consagrados do esporte que gozam do status de lendas e que estão (ainda bem!) em plena atividade. Vale dizer, ainda, que estamos falando de dois lutadores que, por obras do acaso ou não, nunca se encontraram no passado. Basta lembrar que ambos eram lutadores do saudoso Pride, evento de MMA japonês que contava com os melhores lutadores do mundo.
Hendo, wrestler de formação mas com mãos pesadas (principalmente a direita) para o boxe, teve passagens pelo Pride e Strikeforce, em ambas campeão.
Shogun, oriundo da tradicionalíssima academia “Chute Boxe” de Curutiba, é faixa preta de Jiu-Jitsu mas possui suas raízes no Muay Thai (ou Boxe Tailandês, se preferirem). Com passagem brilhante no Pride, no UFC chegou a ser campeão da categoria mas perdeu cinturão para o jovem Jon Jones em situação já comentada nesse blog (Shogun x Jones). Essa luta seria a segunda após a perda do cinturão.
Ao tentar relembrar a luta, arriscaria dizendo o seguinte:
No primeiro round, Hendo consegue acertar sua poderosa direita em Shogun, quase nocauteando-o. Abre um corte na testa de Shogun e em entrevistas posteriores, Shogun afirma que, até o terceiro round, só via vultos à frente. Hendo tenta uma guilhotina, mas sem sucesso. No final do round, Shogun consegue um knock down em Hendo, mas esse agarra em sua perna e consegue se levantar junto com Shogun;
No segundo round, os dois trocam bons socos (fato que leva Shogun a sangrar bem mais) e gastam um bom tempo agarrados na grade;
       No terceiro round começa a epopeia. Hendo consegue um knock down em Shogun, seguido de um avassalador ground and pound. Alguns juízes até poderiam ter parado a luta por aí, mas Shogun agarra a perna de Hendo e, esse temendo uma chave, levanta-se imediatamente. Shogun inexplicável e rapidamente também se levanta e começa a pressionar Hendo contra a grade. Shogun, a essa altura, encontra-se banhado em sangue. Consegue derrubar Hendo mas esse logo se levanta;
        O quarto round (quando a visão de Shogun melhora) começa a virar para o brazuca. Um round no qual o significado da palavra coração (tão utilizado no mundo das lutas) é de fácil compreensão. Crucifixo, ground and pound, guilhotina, uppercut, trocação pura, reviravoltas, tudo isso aconteceu mas, desta vez, com ampla vantagem para Shogun.
No quinto round, Hendo visivelmente sem gás, foi presa fácil para Shogun, ainda com um pouco de gás. Shogun deu um "passeio" em Hendo. Mas Hendo, casca grossa de primeira, não se deixou finalizar.
Devo admitir que, depois dessa luta, ficou difícil encontrar sono. Foi, de fato, uma epopéia. Dicionário: Poema em que são narradas ações grandiosas e heroicas. Acontecimentos extraordinários e maravilhosos. É... fica difícil discordar. Lembrei-me imediatamente de “Iliada” de Homero, uma narrativa na forma de poema sobre a sangrenta guerra e Tróia. Possui 15.693 versos em hexâmetro dactílico, uma forma de métrica poética ou esquema rítmico.
Procurei em algumas livrarias mas sem sucesso. Encontrei-a apenas na biblioteca da instituição onde leciono. A obra está dividida em 24 capítulos ou cantos. Particularmente o vigésimo capítulo me chamou a atenção: Intitulado “Batalha furiosa da qual participam livremente os deuses” narra momentos antes da luta final entre Aquiles e Heitor.


Pelo lado de Aquiles, temos

“Valentes gregos,
Longe estais; barba a barba, arremessai-vos:
Por mais forte que eu seja, é-me impossível
A tantos perseguir, lutar com todos;
Nem Mavorte imortal, nem Palas mesma,
Turmas tais acossando, opugnaria.
Mas quanto em mãos e em pés e em brio valho,
Tudos vos sagro e, sem respiro, aos Teucros
Me enviarei; nem folgará, presumo,
Quem deste pique a tiros se aproxime.”

Segue um dos relatos de Homero acerca da carnificina que Aquiles e seus guerreiros teriam feito contra os troianos:

“De coragem vestido, urrando fero,
Surge Aquiles de lança em duas racha
A testa a Ificion...
A Demoleon, belígero Antenórida,
Pela viseira a têmpora atravessa;
Nem éreo o elmo ao campeão defende,
Que ávida a choupa os ossos e os miolos
Quebra ou derrama: o temerário tomba.
A Hipodamas, que apeia-se e escapole,
No dorso enterra a cúspide: êle expira
A alma feroz mugindo como touro
Que antes o Helicônio Enosigeu mancebos
Arrastam, com prazer do azul tirano.
Atira-se ao deiforme Polidoro,
A quem Príamo pai vedava a pugna,
Porque era o seu menor e estremecido;
Porém, sôbre os irmãos de pés ligeiro.
Vaidoso na vanguarda ia correndo,
Quando Aquiles veloz lhe enfia às costas,
Onde encruzam do bálteo áureas fivelas
Em refôrço da coira: pelo embigo
Lhe sai a ponta; ajoelha-se ululando,
E em letal noite, os intestinos colhe.”


Há um outro trecho que também merece destaque, só que, agora, pelo lado de Heitor. Tomado por uma fúria desenfreada, Heitor deseja vingar a morte de seu irmão contra Aquiles. Mas esse encontro ainda estaria por vir. Heitor amedronta-se e acaba sendo salvo por Apolo, envolto por uma nuvem:

“Heitor, que vê rolar o irmão por terra,
Os intestinos a reter, os olhos
Ofusca em treva, do Pelides longe
Não pode mais estar: brandindo a lança,
Como chama arremete. Exulta Aquiles
E jactancioso diz: ”Eis que no peito
Mais me pungiu, matando-me o dileto!
Cessemos de fugir-nos mutuamente
Por atalhos do exército.” E prossegue
A olhar medonho: “Heitor, chega-te perto,
Para mais breve a morte receberes.”
O divo Heitor, impávido, responde:
“Não sou menino que falando assustes;
Prescindamos, Aquiles, de impropérios.
Conheço que é valente e que me excedes;
Mas os deuses no grêmio a sorte pousa,
E, inferior, eu, talvez, te arranque a vida,
Pois também do meu dardo a ponta fura.”

Shogun perdeu para Hendo por 3x2. Mas há controvérsias: o próprio presidente do UFC achou que Shogun merecia ganhar por dois pontos de diferença o quinto round (e não por apenas um), resultado que implicaria inevitavelmente em empate.
Quem viu, viu...