Como
perder o UFC 148? Uma chance (atualmente rara) de assistir a Anderson “Spider” Silva em ação? O privilégio
de apreciar o fino trato das artes marciais alcançado apenas por alguns poucos
no mundo? Uma oportunidade real de contemplar um artista em pleno ato de criação? De vislumbrar os contornos e o desfecho de uma obra de arte? Ainda mais quando a figura de Chael Sonnen, aquela persona
non grata, entra em cena...
Não
podemos perder de vista que estamos falando da luta principal do evento e que se
trata, na realidade, de uma revanche. No UFC 117 (em agosto de 2010) Anderson Silva saiu vitorioso no 5º round com um triângulo salvador, mas levou
a pior praticamente na luta inteira, apesar de ter lutado com costela trincada e
oponente dopado. Após a divulgação dos exames antidoping Chael Sonnen recebeu pena de 1 ano de suspensão, sendo que mais tarde a
mesma foi reduzida para apenas 6 meses.
Mas
aquela luta ficou por muito tempo na cabeça das pessoas por vários motivos: Por
Sonnen ter perdido a luta, mesmo dopado e
com oponente lesionado; por Anderson
Silva suportar praticamente 5 rounds de punição,
de não entregar a luta e, no final, conseguir, ainda, finalizar Sonnen; por ser uma aula prática e didática sobre o que significa, na
linguagem das artes marciais, lutar com o coração. Mas também pelo fato de Sonnen ter sido o lutador que quase chegou a derrotar Anderson Silva. Por esse motivo, talvez, Sonnen trabalhou por 2 anos pelo
direito de uma revanche, mas de maneira extremamente desrespeitosa para com o povo
brasileiro, a título de Marketing
para “vender a luta”.
Bem, dois
anos se passaram e o dia da revanche chegou. O que se passou no octógono...
Ah! caros leitores... Vamos ver se eu consigo descrever...
No
primeiro round, Chael Sonnen conseguiu derrubar Anderson
Silva e ficou o tempo todo por cima aplicando ground and pound que, no caso, foi bem
controlado por Anderson Silva. Bem parecido com todos os 5 rounds da luta anterior.
No
segundo round, foi a vez do artista
entrar em cena. Por defender-se muito
bem de todas as tentativas de queda de Chael
Sonnen, o artista encontrou espaço para colocar em prática sua arte, seu
modo próprio de pensar, de refletir e interpretar o mundo, de afirmar-se por
meio de movimentos e atitudes e, consequentemente, revelar um pouco de si. Desferiu
um direto andando para trás e com um
movimento simples de agachamento, fez uma pintura digna de Picasso. Anderson Silva
antecipou um soco rodado de Chael Sonnen que, ao agachar-se, acabou passando
no vazio. Mas esse soco rodado veio
com tamanha displicência que o próprio autor desequilibrou-se e foi ao chão de
uma maneira um tanto quanto bizarra. É como se estivéssemos assistindo, na
realidade, a uma tourada na Espanha na qual Anderson
Silva estivesse dando os seus “olés” em um touro já bem assustado. Em
seguida, uma joelhada voadora entrou
no peito de Chael Sonnen. Anderson Silva dá início a um imperdoável e humilhante massacre. Chael Sonnen, em meio a socos e joelhadas,
rende-se simplesmente.
É
inegável a superioridade de Anderson
Silva. Não digo isso apenas com relação a Chael Sonnen. Anderson Silva está, no UFC, invicto há 15 lutas, 10 delas defendendo o cinturão. Já são 6
anos. Dá margem para a seguinte pergunta: Será que existe alguém no mundo com o
peso do Anderson Silva capaz de derrotá-lo? Tudo isso faz-me lembrar do
conceito “além-homem” elaborado pelo
filósofo alemão F. Nietzsche.
É
sabido que Nietzsche definitivamente não
era uma pessoa simples de se lidar. Por produzir pensamentos originais e que
contrastavam radicalmente com aqueles vigentes em sua época, foi solitário,
mal-compreendido, mal-interpretado, mas, por outro lado, profundo e inovador.
Há indícios, inclusive, de que pode ter sido um dos precursores da psicologia
(o método da cura pela palavra). Era defensor intransigente da ideia de criar
as possibilidades para o surgimento do gênio e não para a propagação do
mediano.
Afirmava
que o objetivo deveria ser não o desenvolvimento de todos mas, sim, o
aperfeiçoamento da espécie. Chegou, inclusive, a defender a ideia de que as
sociedades poderiam deixar de existir caso não fossem capazes de produzir a
elevação do tipo.
Com
o tempo pensou em uma espécie de “além-homem”.
Em algumas traduções mais antigas esse termo foi erroneamente traduzido como “super-homem”. Mas “além-homem” parece expressar mais fielmente a ideia do autor.
Esse
seria uma espécie de indivíduo superior, que se levantaria do poço da
mediocridade em razão de esforços direcionados a uma educação de excelência em vez
de depender (ou viver em função) do processo de seleção natural. Nietzsche notou, ainda, que a seleção
natural age sempre contra o excepcional. Ela favorece sempre o médio em
detrimento do superior. Haveria sempre uma tendência ao padrão das massas.
Para
favorecer o surgimento de um “além-homem”,
fatores como energia, uma escola severa e orgulho, por exemplo, são
fundamentais. A energia deve ser direcionada para uma grande finalidade, isto é,
que esteja de alguma forma comprometida com o aperfeiçoamento da espécie. Uma
escola severa na qual a perfeição deverá ser perseguida com naturalidade, sem
espaço para elogios, sem muito conforto de modo que no corpo estejam os
registros de um duro e árduo aprendizado. Um homem assim estaria além do bem e
do mal. Nesse sentido, o que viria a ser o bom, nesse caso? Para Nietzsche é tudo aquilo que faz crescer
a vontade de poder e ou o poder propriamente dito.
Anderson
Silva é, sem dúvida, a expressão máxima do “super-homem”
ou, melhor dizendo, do “além-homem” de
Nietzsche.