segunda-feira, 9 de julho de 2012

Anderson “Spider” Silva, Chael Sonnen e o "além-homem" de Nietzsche


Como perder o UFC 148? Uma chance (atualmente rara) de assistir a Anderson “Spider” Silva em ação? O privilégio de apreciar o fino trato das artes marciais alcançado apenas por alguns poucos no mundo? Uma oportunidade real de contemplar  um artista em pleno ato de criação? De vislumbrar os contornos e o desfecho de uma obra de arte? Ainda mais quando a figura de Chael Sonnen, aquela persona non grata, entra em cena...
Não podemos perder de vista que estamos falando da luta principal do evento e que se trata, na realidade, de uma revanche. No UFC 117 (em agosto de 2010) Anderson Silva saiu vitorioso no 5º round com um triângulo salvador, mas levou a pior praticamente na luta inteira, apesar de ter lutado com costela trincada e oponente dopado. Após a divulgação dos exames antidoping Chael Sonnen recebeu pena de 1 ano de suspensão, sendo que mais tarde a mesma foi reduzida para apenas 6 meses.
Mas aquela luta ficou por muito tempo na cabeça das pessoas por vários motivos: Por Sonnen ter perdido a luta, mesmo dopado e com oponente lesionado; por Anderson Silva suportar praticamente 5 rounds de punição, de não entregar a luta e, no final, conseguir, ainda, finalizar Sonnen; por ser uma aula prática e didática sobre o que significa, na linguagem das artes marciais, lutar com o coração. Mas também pelo fato de Sonnen ter sido o lutador que quase chegou a derrotar Anderson Silva. Por esse motivo, talvez, Sonnen trabalhou por 2 anos pelo direito de uma revanche, mas de maneira extremamente desrespeitosa para com o povo brasileiro, a título de Marketing para “vender a luta”.
Bem, dois anos se passaram e o dia da revanche chegou. O que se passou no octógono... Ah! caros leitores... Vamos ver se eu consigo descrever...
No primeiro round, Chael Sonnen conseguiu derrubar Anderson Silva e ficou o tempo todo por cima aplicando ground and pound que, no caso, foi bem controlado por Anderson Silva. Bem parecido com todos os 5 rounds da luta anterior.
No segundo round, foi a vez do artista entrar em cena. Por defender-se muito bem de todas as tentativas de queda de Chael Sonnen, o artista encontrou espaço para colocar em prática sua arte, seu modo próprio de pensar, de refletir e interpretar o mundo, de afirmar-se por meio de movimentos e atitudes e, consequentemente,  revelar um pouco de si. Desferiu um direto andando para trás e com um movimento simples de agachamento, fez uma pintura digna de Picasso. Anderson Silva antecipou um soco rodado de Chael Sonnen que, ao agachar-se, acabou passando no vazio. Mas esse soco rodado veio com tamanha displicência que o próprio autor desequilibrou-se e foi ao chão de uma maneira um tanto quanto bizarra. É como se estivéssemos assistindo, na realidade, a uma tourada na Espanha na qual Anderson Silva estivesse dando os seus “olés” em um touro já bem assustado. Em seguida, uma joelhada voadora entrou no peito de Chael Sonnen. Anderson Silva dá início a um imperdoável e humilhante massacre. Chael Sonnen, em meio a socos e joelhadas, rende-se simplesmente.
É inegável a superioridade de Anderson Silva. Não digo isso apenas com relação a Chael Sonnen. Anderson Silva está, no UFC, invicto há 15 lutas, 10 delas defendendo o cinturão. Já são 6 anos. Dá margem para a seguinte pergunta: Será que existe alguém no mundo com o peso do Anderson Silva capaz de derrotá-lo? Tudo isso faz-me lembrar do conceito “além-homem” elaborado pelo filósofo alemão F. Nietzsche.
É sabido que Nietzsche definitivamente não era uma pessoa simples de se lidar. Por produzir pensamentos originais e que contrastavam radicalmente com aqueles vigentes em sua época, foi solitário, mal-compreendido, mal-interpretado, mas, por outro lado, profundo e inovador. Há indícios, inclusive, de que pode ter sido um dos precursores da psicologia (o método da cura pela palavra). Era defensor intransigente da ideia de criar as possibilidades para o surgimento do gênio e não para a propagação do mediano.
Afirmava que o objetivo deveria ser não o desenvolvimento de todos mas, sim, o aperfeiçoamento da espécie. Chegou, inclusive, a defender a ideia de que as sociedades poderiam deixar de existir caso não fossem capazes de produzir a elevação do tipo.
Com o tempo pensou em uma espécie de “além-homem”. Em algumas traduções mais antigas esse termo foi erroneamente traduzido como “super-homem”. Mas “além-homem” parece expressar mais fielmente a ideia do autor.
Esse seria uma espécie de indivíduo superior, que se levantaria do poço da mediocridade em razão de esforços direcionados a uma educação de excelência em vez de depender (ou viver em função) do processo de seleção natural. Nietzsche notou, ainda, que a seleção natural age sempre contra o excepcional. Ela favorece sempre o médio em detrimento do superior. Haveria sempre uma tendência ao padrão das massas.
Para favorecer o surgimento de um “além-homem”, fatores como energia, uma escola severa e orgulho, por exemplo, são fundamentais. A energia deve ser direcionada para uma grande finalidade, isto é, que esteja de alguma forma comprometida com o aperfeiçoamento da espécie. Uma escola severa na qual a perfeição deverá ser perseguida com naturalidade, sem espaço para elogios, sem muito conforto de modo que no corpo estejam os registros de um duro e árduo aprendizado. Um homem assim estaria além do bem e do mal. Nesse sentido, o que viria a ser o bom, nesse caso? Para Nietzsche é tudo aquilo que faz crescer a vontade de poder e ou o poder propriamente dito. 
Talvez um traço predominante no “além-homem” seja o amor ao perigo e à luta, desde que estejam sempre acompanhadas de uma finalidade, a saber, a de proporcionar a elevação da espécie.
Anderson Silva inegavelmente destaca-se não só por ser campeão e recordista de defesas do seu cinturão, mas também por incorporar o contínuo aperfeiçoamento da espécie. Passou por várias escolas (todas extremamente rigorosas) e, com certeza, possui consciência de sua superioridade.
Anderson Silva é, sem dúvida, a expressão máxima do  “super-homem” ou, melhor dizendo, do “além-homem” de  Nietzsche.