quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Rafael dos Anjos, Mark Bocek e Heidegger: Mais sobre a questão do “Ser”


O UFC 154 serviu para ilustrar (ou até mesmo corroborar) algumas das reflexões de Martin Heidegger, grande representante da Fenomenologia. Esse movimento filosófico trata da reflexão de todo e qualquer fenômeno que se mostra para nós na relação que estabelecemos com os outros no mundo. Isso eu pude perceber durante a luta entre Rafael dos Anjos e o canadense Mark Bocek.

A Fenomenologia  tem origem na Grécia mas, tal como a conhecemos hoje, foi desenvolvida e estruturada por Edmund Husserl que era matemático e diz a lenda que investigava na Psicologia o que era o número. Esse movimento filosófico afirmava que nossa relação com o mundo teria início apenas em nossas percepções ou sentidos, uma vez que somos nós quem buscamos sentido ou explicações para aquilo que aparece.

Martin Heidegger, ao debruçar-se sobre esse tema, passou a analisar mais detidamente sobre a questão do Ser, se haveria algum sentido nessa palavra pelo fato de referir-se a essência de algo. Distinguia o “ente” do “ser”. Um objeto qualquer corresponderia a um ente qualquer. Já o seu ser estaria relacionado, hipoteticamente, à sua essência. A título de ilustração, consideremos o caso de uma obra de arte. No caso da famosa tela “O Grito” de Munch, seria possível determinar, de forma inequívoca, a sua essência, vale dizer, o seu ser? Imaginemos, por um instante, que sim.
A sua essência consistiria no fato de ser uma obra expressionista? Ou seria o sentimento de desespero que assolava o artista no momento da criação? Ou seria o contraste entre as cores quentes e frias? Não seriam as pinceladas tortas? Porque não tudo junto? Mas será que não estariam escapando ainda mais elementos? Quantos mais? Como ter certeza? Que critério estaria sendo usado nesse julgamento? Por qual motivo esse em especial? Como podemos perceber, existe um problema sério na possibilidade real de se determinar ou acreditar que é possível atingir a essência de algo. Não há como ter certeza!

Rafael dos Anjos, carioca, faixa preta de Jiu-Jitsu e lutador de MMA. Descrito dessa maneira é possível imaginar aquele tipo de lutador que “se vira” em pé e se achar uma brecha, leva a luta para baixo. Aliás, o próprio assumiu em uma entrevista dada na revista TATAME em 22/10/2012 que era na parte em pé que encontrava mais dificuldades. Teve a mandíbula quebrada durante a luta contra Clay Guida. Agora, com vários pinos na boca e, portanto, com “queixo de ferro” voltou com tudo. Passou meses na Tailândia para afiar seu Muay Thay e melhorar seu jogo em pé, no intuito de se tornar um lutador mais completo.

A luta contra o canadense Mark Bocek (apenas faixa preta de Jiu-Jitsu) foi um monólogo. Rafael dos Anjos deu um verdadeiro passeio no canadense. Um verdadeiro show. Lutou de forma magistral: jogo de pernas, defesa de quedas em dia, trocação agressiva com direito a um upper cut tão belo quanto desconcertante em nosso caro colega Bocek. Sem falar em duas belíssimas quedas produzidas por Rafael. O que me chamou também muita atenção é que se alguém assistisse a essa luta do brasileiro pela primeira vez seria levado, acredito, a pensar que se tratava de um lutador oriundo das lutas em pé, e não de solo. Mas, agora, quem (ou o que) seria, de fato, Rafael dos Anjos? Ah! De volta ao problema do ser. É possível determinar a essência de Rafael dos Anjos?

M. Heidegger chegou a afirmar que a palavra “ser” nada significava, de fato. Não passava de uma expressão vazia, sem sentido e incapaz de referir-se a algo preciso e real.

Rafael dos Anjos: Deixemos de lado esse problema de essência. Simplesmente gostei do que vi.