domingo, 30 de março de 2014

O Matemático Marco Ruas, seu Teorema e o UFC VII

    
Quem não conhece, ou nunca ouviu falar de Marco Ruas, acha erroneamente que o MMA nasceu assim, do jeito que o assistimos hoje em dia nos canais a cabo, que sempre foi exatamente dessa forma...
     Marco Ruas é um divisor de águas nesse esporte. Primeiro que ele foi o pioneiro do cross-training, isto é, foi o primeiro a pensar, defender e a praticar o maior número possível de artes marciais. Treinava de tudo. Aliás, o difícil é saber qual arte marcial ele não treinou... Como ele mesmo gostava de dizer, gostava de aprender coisas novas...
     A partir desse acúmulo de conhecimentos, Marco Ruas o “Rei das Ruas” passou a citar uma frase que ficou famosa e que, na minha humilde opinião, deveria receber o status de teorema. A frase é:
“Se você me agarra, eu chuto e soco. Se você chuta e soca, eu te agarro.”
     
Essa frase faz uma menção clara ao pensamento de que todo lutador de MMA nos dias de hoje deve levar em consideração quando acerta uma luta. Se o seu oponente é oriundo e especialista na luta agarrada (Wrestlig, Judô, Jiu-Jitsu etc), então você deveria fazer de tudo para evitar de “cair” no jogo dele e, portanto, deveria priorizar treinamentos em modalidades de lutas de strikers (Boxe, Muay-Thai, Karatê, Taekwondo etc). Por outro lado, se seu oponente é especialista em alguma modalidade de luta striker, então você deveria priorizar treinos de lutas agarradas. Isso seria uma forma de tentar anular o “jogo” do oponente e impor o seu jogo, que não seria a especialidade dele. Mas isso só seria possível com lutadores que fossem adeptos do cross-training que, nos primórdios do MMA e do UFC, inexistiam. Como já dito, Marco Ruas foi pioneiro. Os wrestlers americanos basicamente só treinavam Wrestling, os brasileiros basicamente só treinavam Jiu-Jitsu e assim por diante e cada um na sua área. Hoje em dia a situação é diametralmente oposta. É praticamente impossível imaginar um lutador unidimensional (que só treina uma única modalidade). E caso exista, é sabido por todos que não vai muito longe.
     
Mas, voltando para a famosa frase de Marco Ruas, o que viria a ser um teorema? Para responder a essa pergunta, é necessário responder, primeiro, o que é axioma...
     

     

Na Matemática, axioma é uma proposição ou afirmação que é aceita como verdadeira sem demonstração. Não existe problema algum com os axiomas pelo fato de eles não serem demonstráveis. Pelo contrário. Eles são fundamentais na Matemática. A estória é mais ou menos assim: Para construir sistemas Lógico-Matemáticos deve-se partir de um certo número (mínimo) de conceitos e idéias a partir dos quais não se discute. Aceitamos esses conceitos e ou definições e ponto final. As vezes, até certos conceitos como, por exemplo, o “ponto” são extremamente difíceis de serem até mesmo definidos.  A maioria das pessoas até entende, ainda de um ponto de vista intuitivo, o que vem a ser um ponto. Mas, por outro lado, a dificuldade em  defini-lo é tamanha que as tentativas existentes são bastantes questionáveis. Assim, para a construção da Matemática, os axiomas são necessários pois, a partir deles, é que serão criados os teoremas.
     
No caso dos teoremas, esses sim, devem ser provados e ou demonstrados. E teoremas constituem uma espécie de verdade absoluta. Uma vez provados como verdadeiros, é impossível “derrubá-los”. Teoremas matemáticos não são passíveis de serem destruídos. Uma vez com esse status, são verdades eternas. Mas eles só podem ser construídos a partir de axiomas, as pedras fundamentais.
     
Eis o status da afirmação de Marco Ruas. Nunca é demais repetir: “Se você me agarra, eu chuto e soco. Se você chuta e soca, eu te agarro.”
     


     E Marco Ruas provou seu teorema no Grand Prix do UFC VII (naquela época o campeão tinha que vencer um torneio com vários lutadores na mesma noite). A prova foi demonstrada na noite de 8 de setembro de 1995, para quem quiser verificar...
     Foram três lutas nas quais Marco Ruas demonstrava, de forma inequívoca, seu criativo e inovador teorema.
     
A primeira luta foi com Larry Cureton, americano, especialista em Kickboxing (e portanto, striker), com 110 kg. Curiosamente, na tela de apresentação do vídeo, a idade de Marco Ruas aparecia três vezes o ponto de exclamação (???). Imagino que naquela época ele ainda não dominava o idioma inglês. Mas isso não tem a menor importância... A luta já começa com Ruas dando um abraço em Cureton, levantando-o no 2º andar para derrubá-lo, em seguida, de forma impressionante (se você chuta e soca, eu lhe agarro). Ruas tentou montar, mas foi raspado por Cureton, que inverte a posição. Numa tentativa de se levantar um pouco para poder angular e começar a fazer ground and Pound, Ruas entrelaça suas pernas nas do Cureton e com uma pedalada, o impede de voltar para sua guarda. Ruas vai ajustando a chave de calcanhar com Cureton ainda em pé e, na pressão, o grandalhão vem abaixo apenas para dar os três tapinhas no chão.
     
Na segunda luta, com Remco Pardoel, judoca (e, portanto, especialista na luta agarrada) holandês de 1,95 m e de 125 kg (observe que Ruas tinha, na época, 95 kg). Ruas já começa com 3 chutes baixos (se você me agarra, eu chuto e soco), o que fez Remco enquadrar Ruas na tela com uma guilhotina engatilhada e ficar 5 minutos nessa mesma posição... Eis que Marco Ruas inventa (ou mostra para o mundo) o “mata-barata” (pisãos no pé) como forma de incomodar o oponente e obrigá-lo a fazer alguma coisa diferente. Finalmente Remco decide derrubar Ruas, mas logo é respado, o que levanta a galera. Ruas tenta também uma chave de calcanhar, perde a posição mas volta para a guarda de Remco. Aos poucos e com calma, Ruas vai tentando passar a guarda de Remco. Ruas se levanta, segura as barras da calça do kimono e faz a famosa “toreada” (joga as pernas de lado) e passa a guarda de Remco. Nesse instante, Remco já começa a esboçar uma clara expressão de desespero no rosto. Ruas vai para a montada e mesmo sem estar estabilizado, Remco se antecipa e já dá os três tapinhas nas costas de Ruas... simples assim...Nem esperou o tempo ficar feio para pedir para sair. Desistiu da luta. Acho que algo lhe dizia que uma chuva de martelos estava por vir...
     
Na terceira e última luta (final do Grand Prix), o oponente era Paul Valerans, wrestler (e, portanto, especialista na luta agarrada), americano com 145 kg. Varelans veio com tudo para cima de Ruas que saiu trocando socos e soltando chutes baixos (se você me agarra, eu chuto e soco). O tom da luta foi esse: Varelans andava sempre para frente e Ruas se afastava e, quando Varelans entrava no seu raio de ação, Ruas chutava e socava. Do 4º ao 9º minuto da luta, Varelans agarrou-se na grade e não saia nem por decreto. Ruas aproveitava para soltar seus “mata-baratas”. A luta é reiniciada e Ruas circulava, circulava, circulava... e (desculpe pela redundância) chutava e socava toda vez que Varelans entrava no seu raio de ação, de modo a impedir a luta agarrada. De repente, Ruas percebeu que Varelans começou a sentir a perna esquerda. Ah! E para quê!!!!!!! Eis o caminho da vitória... Subitamente Ruas olha para sua perna direita e não vê uma perna, mas, sim, um machado. Ele olha para o gigante Varelans e não vê Varelans, mas, sim, uma  árvore. E não deu outra...Depois de algumas boas, fortes (e bem dadas) machadadas, a árvore, quero dizer, o gigante Varelans veio abaixo...
     
Nessas três lutas, Ruas apresentou e demonstrou seu famoso teorema:
“Se você me agarra, eu chuto e soco. Se você chuta e soca, eu te agarro.”
     Ah! faturou o cinturão e várias dezenas de milhares de dólares o que, para a época, era um bom dinheiro...