terça-feira, 20 de novembro de 2012

Anderson Silva, Chael Sonnen e a Dialética de Hegel: O Primeiro Encontro



Voltava para casa outro dia de carona com o ilustre professor Alfredo Sant’Anna, matemático e mestre em Economia e, como de praxe, confabulávamos prazerosamente sobre Filosofia, Matemática etc. Conversas extremamente agradáveis que acabaram por se revelar seminais. O professor Alfredo abordava com propriedade sobre a Dialética, sua lógica central e suas implicações.
Inicialmente fiquei estupefato pela força dessa corrente filosófica e pela importância da contradição no interior desse movimento.
Ao me deter um pouco mais a fundo sobre esse assunto, uma luta específica veio imediatamente a minha mente: O primeiro encontro entre Anderson Silva e Chael Sonnen.
Explico: A Dialética surgiu como que uma reação às duras críticas do ceticismo de David Hume, a saber, que a mente humana não seria capaz de conhecer as coisas em sua essência. Hegel, um dos maiores proponentes da Dialética, partiu do princípio de que tudo está em constante movimento e que, portanto, as coisas são e não são ao mesmo tempo. É como se “A” e “não-A” ocorressem simultaneamente. O “bom” é e não é, o “belo” é e não é. Dentro da perspectiva da Dialética a contradição constitui elemento inseparável da realidade. Tudo isso em razão das leis do nascimento, desenvolvimento, morte e renascimento. Existe constante movimento interno: do ser ao não-ser e do não-ser ao ser. Esses constantes movimentos internos dão-se em estágios. Cada estágio novo implica rompimento com o anterior, além da transmissão para o novo estágio daquilo que havia no anterior. É como se em todo estágio houvesse um germe, um elemento de contradição interna que cedo ou tarde seria o responsável pela sua auto-destruição. Essa seria a lógica do ser e não-ser da realidade.
O UFC 117, mais precisamente a luta principal entre Anderson Silva e Chael Sonnen, proporciona as situações e condições que permitem perceber a sua dialética.
Em sua luta de defesa de cinturão anterior, Anderson Silva foi aberta e exaustivamente criticado por atuar de forma desrespeitosa, além de ficar fugindo da luta. Por esse motivo, o seu próximo oponente seria bem diferente, segundo palavras de Dana White.
Eis que surge a figura de Chael Sonnen, um wrestler de origem, bem falastrão, daqueles que não medem palavras na hora de “promover” uma luta. Falou em aposentar Anderson Silva, que precisava de apenas três golpes para aniquilá-lo, que já era o campeão, sem falar nas baixarias direcionadas aos seus familiares e colegas de treino.
Bem, acho que todos aqui devem ter visto um grande número de vezes essa luta, de forma que não me deterei sobre ela em detalhes. O que eu gostaria de chamar a atenção é que o senhor Chael Sonnen, além de todos os adjetivos que lhe são próprios, é um tremendo de um dialético, no sentido exposto acima: Falou como um campeão, mas não era; Lutou como um campeão, foi até melhor, mas terminou perdedor. Tudo muito contraditório... Portava-se como campeão, mas era só pose. Dominou praticamente todos os cinco rounds, mas perdeu a peleja. Aliás, a batidinha na perna do Anderson Silva (daquelas bem safadas) foi e não foi!?!?!? Me lembro que, como muitos, também fiquei na dúvida... Batidinha mais dialética que aquela não existe....!!!!!
Chael Sonnen, o lutador mais dialético de MMA. Até na hora de desistir, seu aspecto mais íntimo é revelado. Ah! Sim. Já imagino seu lema de vida: “Ser e não-ser. Eis a questão!”.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Wanderlei Silva e a Metafísica


Wanderlei Silva é um caso único. Perdoem-me pelo abuso de linguagem, mas ele é aquela expressão que é tangente à Metafísica. Suas batalhas são sempre um convite à Filosofia. Digo isso fundamentado em Platão e Aristóteles, uma vez que, para eles, toda e qualquer Filosofia nasce sempre da admiração e do espanto. Indagações tais como “Por que o mundo existe?” e “Por que as coisas são como são?” podem servir de exemplo.
Questões precisamente relacionadas com o cerne ou a essência de algo (ou alguém) fazem parte de uma área da Filosofia: a Metafísica. Assim, perguntas como “Quem sou?”, “O que sou?”, “Sou, hoje, o mesmo de cinco anos atrás?”, “Se mudei, por qual razão posso, ainda, me considerar a mesma pessoa?”, “O que é o belo?”, “O que é virtude?”, “O que é bondade?”, “O que é subjetividade?” ilustram bem problemas que podem ser considerados como metafísicos.
Desse modo, podemos dizer que a Metafísica é uma forma de investigação filosófica que faz uso de perguntas do tipo “O que é?”. Aqui cabem duas observações com respeito ao significado do verbo “ser” da pergunta:
·         Pode significar “existir”. Nesse caso a pergunta refere-se à realidade;
·         Pode tratar da “essência de alguma coisa”, daquilo que lhe é próprio por natureza.
A literatura sobre a Metafísica é vasta, mas é possível destacar alguns de seus pilares:
·         Platão e Aristóteles (séculos IV e III a.c.);
·         David Hume (século XVIII);
·         Kant (século XVIII);
·         Ontologia (século XX).
No período de Platão e Aristóteles, a Metafísica lida basicamente com aquilo que é ou existe, ou seja, com a realidade em si. Constitui um conhecimento “racional apriorístico”, isto é, fundamenta-se em conceitos idealizados pelo pensamento humano e não por dados resultantes de uma experiência sensorial e prática. A Metafísica desse período caracteriza-se, também, pela separação entre o mundo das aparências e a realidade.
David Hume sugere que esses conceitos metafísicos (idealizados) não faziam parte da realidade externa, isto é, não existiam de fato. Eram apenas rótulos que designamos às coisas (pessoas) com base em nossos hábitos de associar sensações à ideias, de modo regular.
Kant nega a possibilidade de se conhecer a realidade por meio de conceitos da Metafísica. Por isso, propõe que a Metafísica seja o conhecimento da nossa capacidade de conhecer. Como resultado, não nos referiremos mais ao que existe em si, mas, de outro modo, àquilo que existe para nós.
Já a Ontologia estuda a essência, seus sentidos e os diferentes modos como os seres existem, levando em consideração a linguagem, a intersubjetividade, moral etc.
Essência, aparência, coisa em si, capacidade de conhecer, admiração, espanto. Afinal: Quem é Wanderlei Silva? Quem é esse excepcional lutador? É possível conhecer a essência desse ser? Um lutador que é apelidado de “cachorro louco” e luta melhor quando sangra? Um lutador que dominou o mundo por seis anos em sua categoria? Que foi o primeiro brasileiro a trucidar Sakuraba? Isso mesmo, Sakuraba, aquele que venceu quatro membros da família Gracie em seguida? O eterno herói japonês!
Do que é feito Wanderlei Silva? Como se não bastasse, teve, ainda, que provar sua superioridade sobre Sakuraba por mais duas vezes! E de “cachorro louco”, Wanderlei Silva mudou para “the axe murderer”. Mas, será que Wanderlei Silva do Pride é o mesmo de hoje? Aí eu não sei, tenho minhas dúvidas. Essa pergunta também é necessária, mas meu foco está mais para a pergunta “Quem é ele?”. Por que ele é do jeito que é? Brutal, destruidor, um matador nato... Seu instinto está mais para assassino do que para sobrevivência... Para ele, não basta vencer a luta, o inimigo deve ser exterminado!
Ah, “Cachorro louco”! Não sei se é possível atingir a sua essência. Mas soltei alguns pitacos...

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Minotauro vs Frank Mir II: Um Reencontro Mitológico


Nunca me esqueço do UFC 140. Três grandes lutadores brasileiros no card principal. Antônio RogérioMinotouro”, Antônio RodrigoMinotauro” (irmãos gêmeos) e LyotoThe DragonMachida no evento principal da noite pelo cinturão de Jon Jones, aliás, luta já comentada por esse escriba que vos escreve.

A noite não foi das melhores para nós brasileiros: Basta lembrar que Minotouro salvou a noite ao vencer Tito Ortiz. Mas o que eu realmente gostaria de abordar aqui é a luta entre Minotauro e Frank Mir, um reencontro de proporções mitológicas...

Na primeira luta, Frank Mir venceu Minotauro no UFC 92, em dezembro de 2008 por knock out técnico decorrente de uma sequência de combinações de Boxe, uma das especialidades do próprio Minotauro. È de se estranhar um pouco, uma vez que Frank Mir é especialista em Jiu-Jitsu (luta de chão) e muito frequentemente deixa a desejar nas lutas em pé.

A explicação veio depois: Rogério Minotauro não lutou 100% em razão de uma infecção bacteriana que o deixou internado em hospital dias antes da luta. Trata-se de uma bactéria que começou a ficar muito famosa, principalmente entre lutadores de Jiu-Jitsu, em particular, e de lutas agarradas, em geral. O suor, tatames e kimonos insuficientemente limpos e pequenos machucados são os grandes vilões para a transmissão. Há registros de morte. De certa forma, os atletas estão acostumados a conviver com a dor e. por esse motivo, esse sintoma inicial acaba sendo ignorado. Quando um médico é procurado é porque a infecção já se encontra em um estágio avançado e quando não diagnosticada a tempo... o indivíduo pode vir a óbito.

Frank Mir nunca gostou muito dessas explicações e, por outro lado, Minotauro nunca achou Frank Mir um grande adversário, de modo que essa estória não estava, ainda, bem resolvida.

Quatro anos depois essa estória toda seria tirada a limpo no UFC 140. E o que se sucedeu foi algo difícil de acreditar, com direito a uma cena chocante.

Luta de apenas um round: Minotauro começa golpeando e logo vão para a grade e ficam por lá um bom tempo. Mir derruba Minotauro mas esse logo se levanta e voltam para a grade. Minotauro solta algumas cotoveladas e Mir afasta-o. Minotauro solta duas sequências de “jab-direto” e Mir vai ao chão. Mir tenta agarrar uma das pernas de Minotauro, mas sem sucesso. Em seguida, já com a faca e o queijo na mão, Minotauro “gruda” em Mir e desfere-lhe vários socos em seu rosto. Nesse instante, Mir encontra-se com a testa “colada” no chão. Ao notar o pescoço de Mir exposto, Minotauro vai, como de praxe, para uma “guilhotina” de modo a finalizar a luta. A “guilhotina”, por algum motivo, falha e Mir aplica uma “chave de braço” em Minotauro. Os dois rolam no chão e Minotauro é levado, infelizmente, a uma situação limite de ter de “bater”. Mas, antes disso acontecer (Minotauro já estava levantando a outra mão para “bater”), um estalo é ouvido e o braço direito de Minotauro é arrancado de seu lugar.
O juiz interrompe, Mir comemora e vê-se a triste cena de Minotauro no chão, levando a mão esquerda à cabeça num choro de lamentação. Havia acabado de retornar de uma longa jornada de fisioterapia. Volta, agora, a reviver esse drama. Além de tudo, ouve diretamente de Mir (já nos bastidores) que em algum momento da luta chegou a “apagar” e depois acordou. Isso significa que Frank Mir chegou a ser nocauteado! Tudo indica que foi no momento em que estava com a testa “colada” no chão...

Ah, Minotauro! Tu és uma lenda, um mito. E que mito! Fruto de uma relação amaldiçoada pela deusa Afrodite entre a mulher do rei Minos, Pasífae, e do Touro Cretense (que deveria ter sido sacrificado pelo rei Minos). Chegou a ser criado ainda pela mãe na infância mas, ao crescer, tornou-se feroz. Minos pede, então, a Dédalo que construa um grande labirinto para abrigar a fera. Minotauro não possuía uma fonte de alimentos. Tinha, então, que devorar pessoas para sobreviver.
Diz a lenda que Egeu, rei de Atenas, para evitar uma certa praga, deveria, segundo uma determinada versão, sortear e enviar anualmente sete rapazes e sete donzelas atenienses para que fossem devorados por Minotauro na forma de um banquete.

Esse reencontro no UFC 140... É como se em um desses banquetes, uma de suas presas tivesse golpeado Minotauro  num momento de distração e conseguido fugir de seu tenebroso e estonteante labirinto deixando-o para trás, estirado no chão, com um braço quebrado...

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Anderson “Spider” Silva, Chael Sonnen e o "além-homem" de Nietzsche


Como perder o UFC 148? Uma chance (atualmente rara) de assistir a Anderson “Spider” Silva em ação? O privilégio de apreciar o fino trato das artes marciais alcançado apenas por alguns poucos no mundo? Uma oportunidade real de contemplar  um artista em pleno ato de criação? De vislumbrar os contornos e o desfecho de uma obra de arte? Ainda mais quando a figura de Chael Sonnen, aquela persona non grata, entra em cena...
Não podemos perder de vista que estamos falando da luta principal do evento e que se trata, na realidade, de uma revanche. No UFC 117 (em agosto de 2010) Anderson Silva saiu vitorioso no 5º round com um triângulo salvador, mas levou a pior praticamente na luta inteira, apesar de ter lutado com costela trincada e oponente dopado. Após a divulgação dos exames antidoping Chael Sonnen recebeu pena de 1 ano de suspensão, sendo que mais tarde a mesma foi reduzida para apenas 6 meses.
Mas aquela luta ficou por muito tempo na cabeça das pessoas por vários motivos: Por Sonnen ter perdido a luta, mesmo dopado e com oponente lesionado; por Anderson Silva suportar praticamente 5 rounds de punição, de não entregar a luta e, no final, conseguir, ainda, finalizar Sonnen; por ser uma aula prática e didática sobre o que significa, na linguagem das artes marciais, lutar com o coração. Mas também pelo fato de Sonnen ter sido o lutador que quase chegou a derrotar Anderson Silva. Por esse motivo, talvez, Sonnen trabalhou por 2 anos pelo direito de uma revanche, mas de maneira extremamente desrespeitosa para com o povo brasileiro, a título de Marketing para “vender a luta”.
Bem, dois anos se passaram e o dia da revanche chegou. O que se passou no octógono... Ah! caros leitores... Vamos ver se eu consigo descrever...
No primeiro round, Chael Sonnen conseguiu derrubar Anderson Silva e ficou o tempo todo por cima aplicando ground and pound que, no caso, foi bem controlado por Anderson Silva. Bem parecido com todos os 5 rounds da luta anterior.
No segundo round, foi a vez do artista entrar em cena. Por defender-se muito bem de todas as tentativas de queda de Chael Sonnen, o artista encontrou espaço para colocar em prática sua arte, seu modo próprio de pensar, de refletir e interpretar o mundo, de afirmar-se por meio de movimentos e atitudes e, consequentemente,  revelar um pouco de si. Desferiu um direto andando para trás e com um movimento simples de agachamento, fez uma pintura digna de Picasso. Anderson Silva antecipou um soco rodado de Chael Sonnen que, ao agachar-se, acabou passando no vazio. Mas esse soco rodado veio com tamanha displicência que o próprio autor desequilibrou-se e foi ao chão de uma maneira um tanto quanto bizarra. É como se estivéssemos assistindo, na realidade, a uma tourada na Espanha na qual Anderson Silva estivesse dando os seus “olés” em um touro já bem assustado. Em seguida, uma joelhada voadora entrou no peito de Chael Sonnen. Anderson Silva dá início a um imperdoável e humilhante massacre. Chael Sonnen, em meio a socos e joelhadas, rende-se simplesmente.
É inegável a superioridade de Anderson Silva. Não digo isso apenas com relação a Chael Sonnen. Anderson Silva está, no UFC, invicto há 15 lutas, 10 delas defendendo o cinturão. Já são 6 anos. Dá margem para a seguinte pergunta: Será que existe alguém no mundo com o peso do Anderson Silva capaz de derrotá-lo? Tudo isso faz-me lembrar do conceito “além-homem” elaborado pelo filósofo alemão F. Nietzsche.
É sabido que Nietzsche definitivamente não era uma pessoa simples de se lidar. Por produzir pensamentos originais e que contrastavam radicalmente com aqueles vigentes em sua época, foi solitário, mal-compreendido, mal-interpretado, mas, por outro lado, profundo e inovador. Há indícios, inclusive, de que pode ter sido um dos precursores da psicologia (o método da cura pela palavra). Era defensor intransigente da ideia de criar as possibilidades para o surgimento do gênio e não para a propagação do mediano.
Afirmava que o objetivo deveria ser não o desenvolvimento de todos mas, sim, o aperfeiçoamento da espécie. Chegou, inclusive, a defender a ideia de que as sociedades poderiam deixar de existir caso não fossem capazes de produzir a elevação do tipo.
Com o tempo pensou em uma espécie de “além-homem”. Em algumas traduções mais antigas esse termo foi erroneamente traduzido como “super-homem”. Mas “além-homem” parece expressar mais fielmente a ideia do autor.
Esse seria uma espécie de indivíduo superior, que se levantaria do poço da mediocridade em razão de esforços direcionados a uma educação de excelência em vez de depender (ou viver em função) do processo de seleção natural. Nietzsche notou, ainda, que a seleção natural age sempre contra o excepcional. Ela favorece sempre o médio em detrimento do superior. Haveria sempre uma tendência ao padrão das massas.
Para favorecer o surgimento de um “além-homem”, fatores como energia, uma escola severa e orgulho, por exemplo, são fundamentais. A energia deve ser direcionada para uma grande finalidade, isto é, que esteja de alguma forma comprometida com o aperfeiçoamento da espécie. Uma escola severa na qual a perfeição deverá ser perseguida com naturalidade, sem espaço para elogios, sem muito conforto de modo que no corpo estejam os registros de um duro e árduo aprendizado. Um homem assim estaria além do bem e do mal. Nesse sentido, o que viria a ser o bom, nesse caso? Para Nietzsche é tudo aquilo que faz crescer a vontade de poder e ou o poder propriamente dito. 
Talvez um traço predominante no “além-homem” seja o amor ao perigo e à luta, desde que estejam sempre acompanhadas de uma finalidade, a saber, a de proporcionar a elevação da espécie.
Anderson Silva inegavelmente destaca-se não só por ser campeão e recordista de defesas do seu cinturão, mas também por incorporar o contínuo aperfeiçoamento da espécie. Passou por várias escolas (todas extremamente rigorosas) e, com certeza, possui consciência de sua superioridade.
Anderson Silva é, sem dúvida, a expressão máxima do  “super-homem” ou, melhor dizendo, do “além-homem” de  Nietzsche.

domingo, 10 de junho de 2012

Shogun vs Henderson: A Ilíada de Homero


Em 20 de novembro de 2011, quem assistiu ao UFC 139 presenciou história pura ou, como estão dizendo por aí, um épico. Shogun e Dan Henderson (Hendo) proporcionaram aos nossos olhos uma luta de gigantes de total entrega e com fortes emoções, isto é, com reviravoltas proibitivas para um cardíaco. Dois lutadores já consagrados do esporte que gozam do status de lendas e que estão (ainda bem!) em plena atividade. Vale dizer, ainda, que estamos falando de dois lutadores que, por obras do acaso ou não, nunca se encontraram no passado. Basta lembrar que ambos eram lutadores do saudoso Pride, evento de MMA japonês que contava com os melhores lutadores do mundo.
Hendo, wrestler de formação mas com mãos pesadas (principalmente a direita) para o boxe, teve passagens pelo Pride e Strikeforce, em ambas campeão.
Shogun, oriundo da tradicionalíssima academia “Chute Boxe” de Curutiba, é faixa preta de Jiu-Jitsu mas possui suas raízes no Muay Thai (ou Boxe Tailandês, se preferirem). Com passagem brilhante no Pride, no UFC chegou a ser campeão da categoria mas perdeu cinturão para o jovem Jon Jones em situação já comentada nesse blog (Shogun x Jones). Essa luta seria a segunda após a perda do cinturão.
Ao tentar relembrar a luta, arriscaria dizendo o seguinte:
No primeiro round, Hendo consegue acertar sua poderosa direita em Shogun, quase nocauteando-o. Abre um corte na testa de Shogun e em entrevistas posteriores, Shogun afirma que, até o terceiro round, só via vultos à frente. Hendo tenta uma guilhotina, mas sem sucesso. No final do round, Shogun consegue um knock down em Hendo, mas esse agarra em sua perna e consegue se levantar junto com Shogun;
No segundo round, os dois trocam bons socos (fato que leva Shogun a sangrar bem mais) e gastam um bom tempo agarrados na grade;
       No terceiro round começa a epopeia. Hendo consegue um knock down em Shogun, seguido de um avassalador ground and pound. Alguns juízes até poderiam ter parado a luta por aí, mas Shogun agarra a perna de Hendo e, esse temendo uma chave, levanta-se imediatamente. Shogun inexplicável e rapidamente também se levanta e começa a pressionar Hendo contra a grade. Shogun, a essa altura, encontra-se banhado em sangue. Consegue derrubar Hendo mas esse logo se levanta;
        O quarto round (quando a visão de Shogun melhora) começa a virar para o brazuca. Um round no qual o significado da palavra coração (tão utilizado no mundo das lutas) é de fácil compreensão. Crucifixo, ground and pound, guilhotina, uppercut, trocação pura, reviravoltas, tudo isso aconteceu mas, desta vez, com ampla vantagem para Shogun.
No quinto round, Hendo visivelmente sem gás, foi presa fácil para Shogun, ainda com um pouco de gás. Shogun deu um "passeio" em Hendo. Mas Hendo, casca grossa de primeira, não se deixou finalizar.
Devo admitir que, depois dessa luta, ficou difícil encontrar sono. Foi, de fato, uma epopéia. Dicionário: Poema em que são narradas ações grandiosas e heroicas. Acontecimentos extraordinários e maravilhosos. É... fica difícil discordar. Lembrei-me imediatamente de “Iliada” de Homero, uma narrativa na forma de poema sobre a sangrenta guerra e Tróia. Possui 15.693 versos em hexâmetro dactílico, uma forma de métrica poética ou esquema rítmico.
Procurei em algumas livrarias mas sem sucesso. Encontrei-a apenas na biblioteca da instituição onde leciono. A obra está dividida em 24 capítulos ou cantos. Particularmente o vigésimo capítulo me chamou a atenção: Intitulado “Batalha furiosa da qual participam livremente os deuses” narra momentos antes da luta final entre Aquiles e Heitor.


Pelo lado de Aquiles, temos

“Valentes gregos,
Longe estais; barba a barba, arremessai-vos:
Por mais forte que eu seja, é-me impossível
A tantos perseguir, lutar com todos;
Nem Mavorte imortal, nem Palas mesma,
Turmas tais acossando, opugnaria.
Mas quanto em mãos e em pés e em brio valho,
Tudos vos sagro e, sem respiro, aos Teucros
Me enviarei; nem folgará, presumo,
Quem deste pique a tiros se aproxime.”

Segue um dos relatos de Homero acerca da carnificina que Aquiles e seus guerreiros teriam feito contra os troianos:

“De coragem vestido, urrando fero,
Surge Aquiles de lança em duas racha
A testa a Ificion...
A Demoleon, belígero Antenórida,
Pela viseira a têmpora atravessa;
Nem éreo o elmo ao campeão defende,
Que ávida a choupa os ossos e os miolos
Quebra ou derrama: o temerário tomba.
A Hipodamas, que apeia-se e escapole,
No dorso enterra a cúspide: êle expira
A alma feroz mugindo como touro
Que antes o Helicônio Enosigeu mancebos
Arrastam, com prazer do azul tirano.
Atira-se ao deiforme Polidoro,
A quem Príamo pai vedava a pugna,
Porque era o seu menor e estremecido;
Porém, sôbre os irmãos de pés ligeiro.
Vaidoso na vanguarda ia correndo,
Quando Aquiles veloz lhe enfia às costas,
Onde encruzam do bálteo áureas fivelas
Em refôrço da coira: pelo embigo
Lhe sai a ponta; ajoelha-se ululando,
E em letal noite, os intestinos colhe.”


Há um outro trecho que também merece destaque, só que, agora, pelo lado de Heitor. Tomado por uma fúria desenfreada, Heitor deseja vingar a morte de seu irmão contra Aquiles. Mas esse encontro ainda estaria por vir. Heitor amedronta-se e acaba sendo salvo por Apolo, envolto por uma nuvem:

“Heitor, que vê rolar o irmão por terra,
Os intestinos a reter, os olhos
Ofusca em treva, do Pelides longe
Não pode mais estar: brandindo a lança,
Como chama arremete. Exulta Aquiles
E jactancioso diz: ”Eis que no peito
Mais me pungiu, matando-me o dileto!
Cessemos de fugir-nos mutuamente
Por atalhos do exército.” E prossegue
A olhar medonho: “Heitor, chega-te perto,
Para mais breve a morte receberes.”
O divo Heitor, impávido, responde:
“Não sou menino que falando assustes;
Prescindamos, Aquiles, de impropérios.
Conheço que é valente e que me excedes;
Mas os deuses no grêmio a sorte pousa,
E, inferior, eu, talvez, te arranque a vida,
Pois também do meu dardo a ponta fura.”

Shogun perdeu para Hendo por 3x2. Mas há controvérsias: o próprio presidente do UFC achou que Shogun merecia ganhar por dois pontos de diferença o quinto round (e não por apenas um), resultado que implicaria inevitavelmente em empate.
Quem viu, viu...