domingo, 10 de fevereiro de 2013

Cigano, Velasquez e a questão da virtude: Parte II


No UFC on Fox 1, em 2011, todos acompanhamos a vitória do Cigano sobre o Velasquez e consequentemente sua tomada de cinturão de campeão da categoria (peso-pesado). Até escrevi sobre o evento abordando a questão da virtude, que não há um consenso sobre a acepção dessa palavra, mas que, mesmo assim, sempre fora empregada expressando diferentes valores em diferentes povos e períodos.

Uma vez, voltando de carona para casa com outro querido professor e amigo Maurício Wieler Orellana, conversávamos sobre coisas variadas: Formas de Governo, Sociologia, Filosofia, Futebol, mas principalmente MMA. Especulávamos até mesmo sobre a possibilidade de que, com relação ao futuro da categoria dos pesados do UFC, o cinturão ficasse alternando de mãos entre Velasquez e Cigano, uma vez que achávamos que ambos eram, aparentemente, os melhores dessa categoria.

Mas o tempo passou e Velasquez fez uma luta contra nosso bravo Antônio Pezão. Venceu bem e sem dar chance. Na primeira oportunidade que teve, derrubou-o e, com um ground and pound extremamente eficiente, abriu um corte na testa de tal magnitude que em pouco tempo estavam lutando sobre uma poça de sangue. O juiz teve mesmo que interromper. Não tinha jeito.

Com o afastamento de Overeem pela Comissão Atlética do Estado de Nevada (adivinhe o motivo!), a revanche, mais do que esperada, foi marcada para o UFC 155, o último do ano de 2012.

Velasquez, com seu jeito disciplinado de ser, teria que estudar e encontrar falhas no jogo de Boxe do Cigano, tido por muitos como o de melhor qualidade no UFC, quiça do MMA. Teria que ser extremamente dedicado e metódico para cumprir sua promessa de recuperar o cinturão.

Ah, que curioso! E que coincidência! Isso me levou a pesquisar como os gregos entendiam e faziam uso da palavra virtude. Sim, aquele povo que seis séculos antes de cristo mudou para sempre o modo de pensar do homem.

Há muitas coisas que podem (e devem) ser comentadas e abordadas sobre esse povo. Mas, chamarei a atenção apenas para duas: beleza e virtude.

A ideia de beleza para os gregos passava pelo seguinte raciocínio: Apenas o ser humano seria capaz de apreciar e contemplar o belo. Dessa forma, precisamente por ser o único capaz dessa proeza, isto é, de reconhecer e contemplar a beleza, deveria ser, como que por extensão, o único capaz de produzí-la.

Uma possível consequência desse modo próprio de pensar é que a beleza seria uma ideia que, na realidade, só poderia ser encontrada no interior do ser humano, uma vez que seria, de acordo com os gregos, seríamos os únicos capazes de percebê-la e de criá-la.

E para produzir o belo, isto é, para externar aquilo que se admira e se contempla, seria necessário possuir uma característica peculiar: a virtude.

A virtude, para os gregos, era uma habilidade humana que consistia em alcançar a perfeição em um aspecto qualquer da vida. Por exemplo, um escultor seria virtuoso se buscasse e alcançasse a perfeição em cada uma de suas obras. Vale lembrar que para os gregos, beleza e virtude eram mais importantes do que o simples acúmulo de riquezas.

Eis que temos Cain Velasquez, o virtuoso. Velasquez estudou, em conjunto com sua equipe, com paciência e atenção o jogo do Cigano e treinou até a exaustão a(s) brecha(s) encontrada(s). Não sei, na realidade, se foram detectadas mais de uma, mas uma, em especial, ele deixou bem claro nos 5 rounds de sofrimento imposto ao brasileiro: a distância no jogo de Boxe do Cigano. Isso mesmo. Relembrando e revendo as lutas do nosso Boxer brasileiro, fica claro que ele sempre se apresentava muito bem (até então estava invicto) quando conseguia impor uma determinada distância. Foram 5 rounds de uma perseguição brutal, implacável e desenfreada de Cain Velasquez para cima do Cigano, de modo a “quebrar” a tal distância.

Essa foi uma idéia tão sutil quanto trágica. Mas essa é a lógica do MMA: Quando se está deveras acostumado com um determinado recurso e ele foi devidamente identificado e imperdoavelmente anulado pelo oponente, deve-se, necessariamente, estar aberto para aprender outros recursos. O MMA exige que o lutador esteja sempre em evolução. E esse foi o caso do Velasquez.

É claro que ficamos surpresos com o desempenho do Cigano. Mas, frases como: “Ah! O Cigano estava irreconhecível!” ou “Não acredito no que estou vendo!” acabam sendo uma consequência natural. Depois, vieram a tona notícias da vida pessoal do Cigano, a saber, de que estava recém-divorciado, fato que teria atrapalhado o foco e a concentração na luta. Não duvido disso e acredito, realmente, que poderia estar ainda com problemas pessoais na cabeça. Mas não podemos desmerecer a vitória que foi pensada, esboçada, elaborada, planejada, exaustivamente ensaiada e, enfim, construída pelo Velasquez.

O homem com orgulho de suas raízes tatuada no próprio peito realizou um belo trabalho, digno de admiração e contemplação. De modo obstinado, alcançou a perfeição naquilo que se propôs a fazer. Na Grécia antiga, Cain seria chamado de “Velasquez, o virtuoso”.

Pezão, Overeem e Heidegger: Sobre uma vida autêntica ou inautêntica





Ah, Pezão! Como não se solidarizar com sua causa? Antônio “BigFoot” Silva: brasileiro da Paraíba, peso-pesado, faixa preta em Jiu-Jitsu, Judô e Karatê, apesar de sofrer de acromegalia que causa alargamento de características faciais e do corpo em adultos, em razão do aumento da secreção do hormônio do crescimento (GH e IGF-I). Quando ocorre na adolescência chama-se gigantismo. Como possíveis efeitos dessa doença, os portadores podem vir a ter cefaleia, distúrbios visuais, perda de campo visual, paralisia de pares cranianos entre outras coisas. E para complicar um pouco mais as coisas, escolheu a carreira de lutador de MMA.

Ainda no início, fez quatro lutas no evento EliteXC. Venceu todas e depois doou 100 mil reais para uma instituição de caridade. Já em 2008, no mesmo evento, obteve o cinturão de peso-pesado por TKO no segundo round, mas foi pego no antidoping com esteroide anabolizante boldenona. Foi suspenso e multado em 2.500 dólares pela Comissão Atlética do Estado da Califórnia. De acordo com seu empresário Alex Davis, o resultado positivo para essa substância deu-se em razão do uso de Novadex para combater os baixos níveis de testosterona oriundos da acromegalia. Na época, gastava entre 6.000 e 8.000 dólares por mês apenas com sse tipo de medicação e segundo a defesa de seu empresário, ele (Pezão) “precisa ser capaz de continuar a lutar para ganhar a vida”.

No Strikeforce, perdeu na estreia mas, em seguida, construiu uma sequência de vitórias. Uma delas entrou para a história do MMA: lutou contra ninguém menos do que a lenda russa Fedor Emilianenko. Para quem ainda não o conhece, saiba que a grande dúvida dos especialistas em MMA está em saber quem é o melhor lutador de MMA de todos os tempos? Anderson Silva ou Fedor Emilianenko? Mesmo desacreditado, Pezão foi lá e... venceu!
No UFC 156, Pezão teria pela frente Alistair Overeem: lutador de MMA holandês (nascido na Inglaterra) oriundo do Kickboxing. Foi campeão no K-1 e possui um cartel muito bom. Mas se analisarmos mais de perto notaremos que, contra os brasileiros, Overeem cansou de levar a pior com os brasileiros na década passada: 6 a 2. Venceu as duas vezes contra o Vitor Belfort, mas foi derrotado em seis lutas contra os brazucas: Antônio Rogério Nogueira (2 vezes), Maurício Shogun (2 vezes), Ricardo Arona e Fabrício Werdum.

     Depois dessa experiência, Overeem ficou gigante (anabolizantes?) passando a lutar como peso-pesado. A partir daí, não era incomum Overeem ter que cancelar combates em razão dos resultados de testes antidoping. Contra o Cigano foi apenas mais um dos vários casos. Por essas e outras, foi ai que Overeem ganhou fama de ter sido “fabricado em laboratório”.
No UFC 156, esses dois gigantes se encontraram. Aliás, já era para eles terem lutado anteriormente, no Strikeforce (diz a lenda que Overeem se lesionou). Mas parece que Overeem andou falando coisas que não devia ou pelo menos que desrespeitaram o Pezão. É claro que não saiu tudo na imprensa. Apenas bobagens do tipo: “Ele (Pezão) é um bebê chorão” e “Sou bem melhor do que ele na trocação” foram veiculadas. Mas nos bastidores...


Mais uma vez, Pezão vai à luta desacreditado. Só que dessa vez com o agravante de (segundo o que todos diziam) ter sido desrespeitado, mesmo sem ter saído na imprensa o que realmente aconteceu. Pronto! Estava montado uma peça de teatro de gênero dramático: sentimentos de arrogância, humilhação, petulância, vingança etc.

     Mas esses dois cidadãos me fizeram lembrar mais uma vez de Heidegger, só que por motivos diferentes. Heidegger, representante da Fenomenologia (movimento filosófico), lá pelas tantas desenvolveu os conceitos de “vida autêntica” e “vida inautêntica”. Para Heidegger, o homem comum que leva uma vida superficial e de aparências, que vive apenas e tão somente no dia a dia das notícias, sem curiosidade e tampouco profundidade, experimenta uma vida inautêntica. No entanto, quando o homem abre mão dessa vida superficial, sem reflexão e, portanto, inautêntica, começa a experimentar um sentimento de angústia que reflete o drama da existência humana, como se estivesse constantemente em uma encruzilhada, que tivesse que decidir, escolher, de modo consciente, sobre como vai ser sua vida. Só assim tem-se aquilo que Heidegger chamou de vida autêntica.
Isso tem uma implicação importante: quando paramos para pensar na vida, não se trata apenas de lembrar o passado ou de imaginar o futuro. Diz respeito a uma atitude de reflexão sobre a nossa existência e como ela se projeta na vida, a partir de uma consciência, e responsabilizar-se pelas decisões. Nesse caso, deve ficar bem claro: não basta recordar ou imaginar. É necessário refletir, julgar e decidir.
No primeiro round, não houve muita coisa. Mas o Pezão entrou com um jogo justo e “fechadinho” como se diz na gíria. Foi prudente (podemos dizer que Pezão vivenciava sua angústia pessoal e conscientemente e fez suas próprias escolhas sobre como lutar). Overeem, uma montanha de músculos sempre com guarda baixa, apenas intimidava (ênfase na aparência e superficialidades). Ficaram um bom tempo na grade.

No segundo round, Overeem levou Pezão para o chão e ficou só “cozinhando o galo”. Nada. Só no final quando o árbitro reiniciou a luta em pé é que o Pezão se deu conta de que seu oponente não era tudo aquilo (aparência). Em 20 segundos de trocação franca, Pezão mandou-lhe uma joelhada que balançou o holandês.



Aí, no terceiro round, foi fácil. Pezão pode ter vários problemas, mas medo de aparência, com certeza ele não deve ter. Nem faz sentido isso para ele. Partiu para a porrada mesmo, sem medo nem piedade. De maneira violenta e com toda a autenticidade que lhe é peculiar, Pezão demoliu o demolidor de forma humilhante e desrespeitosa. Vamos e convenhamos, vai: É degradante para um lutador daquele tamanho ser derrotado da maneira como foi. 

Mas, enfim, Overeem vai ter que aprender a lidar com mais essa derrota para brasileiro. E isso não é, de modo algum, problema do Pezão. Ele já tem muitos problemas e encruzilhadas em sua vida, diríamos assim, autêntica.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Spider Silva, Stephan Bonnar e Jaques Derrida: O Fundamento Místico da Autoridade




Após o inesquecível 7 de julho em Las Vegas (UFC 148 – Anderson Silva vs. Chael Sonnen II), Spider Silva volta ao octógono mas, dessa vez, em uma situação diferente. Sobe de categoria para enfrentar Stephan “the american psicho” Bonnar em uma luta para "salvar" o evento em razão de uma série de modificações no card das lutas. Coisa rara em um campeão: fazer duas lutas profissionais num intervalo de três meses, sendo que a segunda não estava programada.
Um pouco de Bonnar: Foi vice-campeão da primeira edição do reality show “The Ultimate Fighter” numa luta tão sangrenta quanto histórica contra o incansável Forrest Griffin. Isso sem falar em sua faixa preta de Tae Kwon Do, obtida aos dezesseis anos de idade.
Legendário do MMA, costuma ser lembrado por lutas sangrentas e emocionantes, sempre com muitas reviravoltas.
Mas desde o casamento da luta e de seu retorno aos treinamentos, Bonnar tem recebido conselhos e sugestões de seus familiares para que não lutasse, pois seria massacrado pelo temível Spider. Chegou, inclusive, a declarar que sua mãe tinha medo de que Anderson o matasse.
Deixando de lado frases de efeito, instaurou-se, por outro lado, um clima de respeito mútuo antes da luta por serem dois senhores educados e que contribuem, há muito, para o desenvolvimento do esporte. Isso, de alguma forma, me fez lembrar de Jaques Derrida, precisamente do seu texto “Força da Lei”. Como muitos, Derrida também se interessou em estudar a origem e a lógica de certas expressões idiomáticas, tais como a do título desse artigo.
Em sua abordagem, como diferenciar a “força da lei”, aquela pensada usualmente no contexto jurídico, e a força com violência, considerada injusta? Sabe-se que existe uma palavra em alemão, Gewalt, muito utilizada em textos antigos de Direito na Alemanha, que possui rigorosamente dois significados, a saber, de violência e também o de autoridade. Desse modo, o que viria a ser uma força justa ou uma força não violenta?
Em meio a seus estudos, Derrida esclarece que

“se a justiça não é necessariamente o direito ou a lei, ela só pode tornar-se justiça, por direito ou em direito, quando detém a força, ou antes quando recorre à força desde seu primeiro instante, sua primeira palavra.”

Derrida lembra ainda de Pascal quando escreve que

“A justiça sem a força é impotente e a força sem a justiça é tirânica.”

Derrida cita novamente Pascal que citou, por sua vez, Montaigne (filósofo francês representante do ceticismo e já citado por aqui em outras elucubrações) quando escreveu:

“[...] um diz que a essência da justiça é a autoridade do legislador, outro, a comodidade do soberano, outro, o costume presente; e é o mais seguro: nada, segundo somente a razão, é justo por si; tudo se move com o tempo. O costume faz toda equidade, pela simples razão de ser recebida; é o fundamento místico da autoridade. Quem a remete ao seu princípio, a aniquila.”

Novamente Montaigne, com seu ceticismo e sapiência, ilumina com as luzes da razão aquilo que estava nas trevas da ignorância ao escrever:

“Ora as leis se mantêm em crédito, não porque elas são justas, mas porque são leis. É o fundamento místico de sua autoridade, elas não têm outro [...]. Quem a elas obedece porque são justas não lhes obedece justamente pelo que deve.”

A noite de 14 de outubro de 2012 foi um exemplo claro do fundamento místico da autoridade da qual Anderson Silva atualmente vivencia. Não há, de fato, razões para supor que não exista ninguém, na face da Terra, capaz de vencer Anderson Silva. Mas todos os seus oponentes comportam-se e raciocinam segundo esse fundamento místico da autoridade.





No UFC Rio III, Spider Silva literalmente "brincou" com Stephan Bonnar, nocauteando-o ainda no primeiro round, fazendo-o, além de tudo, parecer um inexperiente sem vocação. Stephan Bonnar não conseguiu fazer coisa alguma. Talvez tenha respeitado demais, com certa mística, diria, uma espécie de autoridade projetada em Anderson Silva...