domingo, 10 de fevereiro de 2013

Pezão, Overeem e Heidegger: Sobre uma vida autêntica ou inautêntica





Ah, Pezão! Como não se solidarizar com sua causa? Antônio “BigFoot” Silva: brasileiro da Paraíba, peso-pesado, faixa preta em Jiu-Jitsu, Judô e Karatê, apesar de sofrer de acromegalia que causa alargamento de características faciais e do corpo em adultos, em razão do aumento da secreção do hormônio do crescimento (GH e IGF-I). Quando ocorre na adolescência chama-se gigantismo. Como possíveis efeitos dessa doença, os portadores podem vir a ter cefaleia, distúrbios visuais, perda de campo visual, paralisia de pares cranianos entre outras coisas. E para complicar um pouco mais as coisas, escolheu a carreira de lutador de MMA.

Ainda no início, fez quatro lutas no evento EliteXC. Venceu todas e depois doou 100 mil reais para uma instituição de caridade. Já em 2008, no mesmo evento, obteve o cinturão de peso-pesado por TKO no segundo round, mas foi pego no antidoping com esteroide anabolizante boldenona. Foi suspenso e multado em 2.500 dólares pela Comissão Atlética do Estado da Califórnia. De acordo com seu empresário Alex Davis, o resultado positivo para essa substância deu-se em razão do uso de Novadex para combater os baixos níveis de testosterona oriundos da acromegalia. Na época, gastava entre 6.000 e 8.000 dólares por mês apenas com sse tipo de medicação e segundo a defesa de seu empresário, ele (Pezão) “precisa ser capaz de continuar a lutar para ganhar a vida”.

No Strikeforce, perdeu na estreia mas, em seguida, construiu uma sequência de vitórias. Uma delas entrou para a história do MMA: lutou contra ninguém menos do que a lenda russa Fedor Emilianenko. Para quem ainda não o conhece, saiba que a grande dúvida dos especialistas em MMA está em saber quem é o melhor lutador de MMA de todos os tempos? Anderson Silva ou Fedor Emilianenko? Mesmo desacreditado, Pezão foi lá e... venceu!
No UFC 156, Pezão teria pela frente Alistair Overeem: lutador de MMA holandês (nascido na Inglaterra) oriundo do Kickboxing. Foi campeão no K-1 e possui um cartel muito bom. Mas se analisarmos mais de perto notaremos que, contra os brasileiros, Overeem cansou de levar a pior com os brasileiros na década passada: 6 a 2. Venceu as duas vezes contra o Vitor Belfort, mas foi derrotado em seis lutas contra os brazucas: Antônio Rogério Nogueira (2 vezes), Maurício Shogun (2 vezes), Ricardo Arona e Fabrício Werdum.

     Depois dessa experiência, Overeem ficou gigante (anabolizantes?) passando a lutar como peso-pesado. A partir daí, não era incomum Overeem ter que cancelar combates em razão dos resultados de testes antidoping. Contra o Cigano foi apenas mais um dos vários casos. Por essas e outras, foi ai que Overeem ganhou fama de ter sido “fabricado em laboratório”.
No UFC 156, esses dois gigantes se encontraram. Aliás, já era para eles terem lutado anteriormente, no Strikeforce (diz a lenda que Overeem se lesionou). Mas parece que Overeem andou falando coisas que não devia ou pelo menos que desrespeitaram o Pezão. É claro que não saiu tudo na imprensa. Apenas bobagens do tipo: “Ele (Pezão) é um bebê chorão” e “Sou bem melhor do que ele na trocação” foram veiculadas. Mas nos bastidores...


Mais uma vez, Pezão vai à luta desacreditado. Só que dessa vez com o agravante de (segundo o que todos diziam) ter sido desrespeitado, mesmo sem ter saído na imprensa o que realmente aconteceu. Pronto! Estava montado uma peça de teatro de gênero dramático: sentimentos de arrogância, humilhação, petulância, vingança etc.

     Mas esses dois cidadãos me fizeram lembrar mais uma vez de Heidegger, só que por motivos diferentes. Heidegger, representante da Fenomenologia (movimento filosófico), lá pelas tantas desenvolveu os conceitos de “vida autêntica” e “vida inautêntica”. Para Heidegger, o homem comum que leva uma vida superficial e de aparências, que vive apenas e tão somente no dia a dia das notícias, sem curiosidade e tampouco profundidade, experimenta uma vida inautêntica. No entanto, quando o homem abre mão dessa vida superficial, sem reflexão e, portanto, inautêntica, começa a experimentar um sentimento de angústia que reflete o drama da existência humana, como se estivesse constantemente em uma encruzilhada, que tivesse que decidir, escolher, de modo consciente, sobre como vai ser sua vida. Só assim tem-se aquilo que Heidegger chamou de vida autêntica.
Isso tem uma implicação importante: quando paramos para pensar na vida, não se trata apenas de lembrar o passado ou de imaginar o futuro. Diz respeito a uma atitude de reflexão sobre a nossa existência e como ela se projeta na vida, a partir de uma consciência, e responsabilizar-se pelas decisões. Nesse caso, deve ficar bem claro: não basta recordar ou imaginar. É necessário refletir, julgar e decidir.
No primeiro round, não houve muita coisa. Mas o Pezão entrou com um jogo justo e “fechadinho” como se diz na gíria. Foi prudente (podemos dizer que Pezão vivenciava sua angústia pessoal e conscientemente e fez suas próprias escolhas sobre como lutar). Overeem, uma montanha de músculos sempre com guarda baixa, apenas intimidava (ênfase na aparência e superficialidades). Ficaram um bom tempo na grade.

No segundo round, Overeem levou Pezão para o chão e ficou só “cozinhando o galo”. Nada. Só no final quando o árbitro reiniciou a luta em pé é que o Pezão se deu conta de que seu oponente não era tudo aquilo (aparência). Em 20 segundos de trocação franca, Pezão mandou-lhe uma joelhada que balançou o holandês.



Aí, no terceiro round, foi fácil. Pezão pode ter vários problemas, mas medo de aparência, com certeza ele não deve ter. Nem faz sentido isso para ele. Partiu para a porrada mesmo, sem medo nem piedade. De maneira violenta e com toda a autenticidade que lhe é peculiar, Pezão demoliu o demolidor de forma humilhante e desrespeitosa. Vamos e convenhamos, vai: É degradante para um lutador daquele tamanho ser derrotado da maneira como foi. 

Mas, enfim, Overeem vai ter que aprender a lidar com mais essa derrota para brasileiro. E isso não é, de modo algum, problema do Pezão. Ele já tem muitos problemas e encruzilhadas em sua vida, diríamos assim, autêntica.

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