sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Jerry Bohlander vs. Fábio Gurgel: Constatações de um esporte em evolução

Uma luta em especial do UFC 11 (isso mesmo, lá nos primórdios) representa um exemplo claro e evidente, dentre muitos outros, de que o Brazilian Jiu-Jitsu encontra-se, ainda, em franca evolução. Unicamente em razão desse motivo é que tomarei partido em um certo problema bem conhecido dos lutadores profissionais de Jiu-Jitsu, a saber, o de lutar, ou não, na final de um torneio com um companheiro de equipe. Mas vamos com calma...
Fábio Gurgel, hoje líder e um dos fundadores da Alliance Jiu-Jitsu, casca grossa da pesada e faixa preta de Jiu-Jitsu. Várias vezes campeão carioca, várias vezes campeão brasileiro, várias vezes campeão mundial adulto, várias vezes campeão mundial master e por ai vai... Bem, quem é da área conhece...
Seu adversário era um Wrestler que praticava já na escola e que depois foi treinar com os lendários irmãos Ken e Frank Shamrock, ambos também lutadores.
Na tentativa de desenharmos a luta, temos um wrestler e um lutador de chão. Wrestlers nunca gostam de ficar de costas no chão, obviamente em razão de suas origens. (O objetivo nessa modalidade de luta é colocar o oponente de costas no chão). Já no caso do brasileiro, se isso acontecer, estará em casa. O fim da linha de um é o começo da jornada do outro...
Nesse caso, Fábio Gurgel sabe que é incrivelmente difícil derrubar esse caras e que talvez fosse o caso de, em algum momento, aceitar o jogo por baixo, raspar, cair por cima e buscar uma finalização. Desse modo, as técnicas de raspagens eram fundamentais e deveriam estar em dia. E foi o que se viu... 
Mas tinha um porém. Naquela época (nos primórdios) valia segurar na grade. Fábio Gurgel, um brutamonte pra ninguém botar defeitos, lá pelas tantas, transformou-se numa verdadeira máquina de raspar. Mais lembrava um doido varrido. Mas o americano agarrava-se desesperadamente à grade em todas as tentativas de raspagem. Para termos uma idéia melhor, a disputa de força era tamanha entre eles que a própria grade do octógono chegou a arrebentar. A cena até hoje é bizarra. Resumindo, o americano ficou por cima quase o tempo todo e venceu a luta, mesmo não tendo feito muita coisa por cima...
Mas o curioso foi precisamente aquilo que o comentarista da luta Paulão Borracha passou a chamar a nossa atenção. Nos dias atuais é uma coisa obvia, mas na época não era. Fábio Gurgel não colocava o pé na virilha, seja para fazer o triângulo, seja para empurrá-lo para tentar se levantar. Naquela época, era um Jiu-Jitsu meio que “puro” (se assim me permitirem dizer) que os lutadores levavam para o octógono. Hoje em dia, o triângulo que é ensinado nas academias de Jiu-Jitsu tem como um de seus primeiros movimentos o pé na virilha. Isso significa que o MMA (ou vale tudo para os saudosistas) transformou o Jiu-Jitsu (e continua transformando). O MMA, que teve o Jiu-Jitsu como seu criador, é quem vem modificando o próprio Jiu-Jitsu. É a criatura transformando e fazendo evoluir o seu criador!! Além do mais, não sei dizer se há alguma modalidade de luta que em 20 anos tenha evoluído tanto quanto essa. Boxe? Muay Thai? Wrestler? Não sei... Eu não acredito...
E desde então, o Jiu-Jitsu vem se adaptando, se transformando, recebendo influências de fora, em permanente contato com as novas gerações. Ai surge um problema novo, típico de situações com essas características, a saber, ambientes nos quais inovações e criações são uma constante: Dividir ou não dividir a descoberta com seus pares? Nesse caso, considero os pares como os próprios parceiros de treino que, eventualmente, podem ser seus adversários em torneios, inclusive em finais. Dividir técnicas novas com os companheiros ou não? Deixarei aqui minha posição e tentarei fundamentá-la mais adiante. Sou da posição de que se dois lutadores de graduação máxima em uma modalidade que está em fraca evolução, que estejam inovando, criando e aperfeiçoando técnicas novas, se encontrarem numa final de torneio e optarem por não lutar, então que assim seja.
São duas coisas que devem ser levadas em consideração: Se eles forem obrigados a lutar, significa que um vencerá e possivelmente não venham a discutir e dividir técnicas novas juntos, de inovarem, enfim, de treinarem juntos. A conseqüência imediata é que o desenvolvimento trava. O público até ganha, mas a evolução do esporte fica comprometida. Por outro lado, se um abre mão e aceita o segundo lugar, o público pode não gostar, mas as condições para a continuidade da evolução do esporte permanecem asseguradas.
É claro que não existe uma resposta certa, verdade absoluta ou coisas desse tipo. Posto o problema dessa forma, apenas opiniões podem ser expressas. Mas simpatizo com a idéia (e mais ainda com a possibilidade) de presenciar a evolução de uma arte marcial, testemunhar a forma como as coisas vão se transformando, os atores envolvidos etc.
Mas é curioso como encontramos paralelos na ciência. Esse problema de dividir ou não com seus semelhantes uma habilidade original não é exclusivo de nós seres humanos.
Os macacos-prego são bem conhecidos em nossa terra, mas, até alguns anos atrás, eram totalmente ignorados pela ciência em estudos do comportamento dos primatas.
Por volta de 2004, pesquisadores do Brasil, Itália e Estados Unidos constataram algo que beira o revolucionário na Biologia: os macacos-prego utilizam ferramentas na vida selvagem e transmitem essas habilidades para as próximas gerações.
Não que seja a única espécie primata a possuir essa habilidade. Nos anos 70, foi constatado que alguns chipanzés transmitem culturalmente algumas habilidades tais como o uso de vareta para pegar mel e apanhar formigas. Alguns gorilas conseguem usar pedras e paus para quebrar cocos.
Segundo a Biologia, até ai, tudo bem. Gorilas e chipanzés estão próximos do homem na escala evolutiva. Mas, de acordo com a pesquisadora da USP Patrícia Izar, o macaco-prego encontra-se em tronco que divergiu há pelo menos 40 milhões de anos e a idéia de que um parente muito distante conseguiu desenvolver e usar ferramentas coloca em cheque toda a idéia de que a nossa espécie seria a única detentora dessa capacidade.
Interessante como tudo veio à tona. Imagens dos nossos simpáticos macaquinhos usando ferramentas foram divulgadas mundialmente por acaso. Em 2004, um fotógrafo britânico visitou uma fazenda turística no Piauí e presenciou macacos-prego levantarem, até a altura da cabeça, uma pedra com apenas uma das mãos e atirá-la certeiramente contra um coquinho no chão. A cena rodou o mundo, com direito a BBC e tal.
Nossos pequenos e travessos piauienses ficaram famosos e importantes. Chegou ao ponto do professor do Departamento de Antropologia Biológica e Anatomia da Universidade de Duke Carel van Schaik iniciar uma nova linha de investigação ao propor um modelo teórico que explicasse o advento de culturas associadas ao uso de ferramentas. Em uma conferência, afirmou que
Se a cultura pode ser definida como uma inovação seguida de transmissão social, estamos encontrando padrões sugestivos de que estamos, sim, diante de culturas”.
De acordo com seu modelo, esse comportamento dependia de três fatores: a) Predisposição genética (cérebros grandes e destreza manual); b) Fatores ambientais (como dependência de alimentos de acesso complicado) e c) Comportamento tolerante dos adultos (que os mais novos tenham oportunidades de ficar perto dos adultos e, assim, conseguir aprender a técnica).
Um momento: Predisposição genética, dificuldades para obter alimento e aproximar-se dos adultos para aprender técnicas? Carel van Schaik está se referindo aos nossos macacos-prego ou aos nossos lutadores de Jiu-Jitsu?  Agora fiquei na dúvida...
Especificamente a respeito do terceiro fator, Eduardo Ottoni, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, observa que “uma possibilidade é que os machos adultos permitam a presença dos mais jovens e os deixem comer os restos como uma forma de chamar a atenção das fêmeas”.
Ainda sobre esse assunto, Patrícia Izar levanta a hipótese de que a transmissão do uso de ferramentas teria a função de manter a coesão social do grupo como um todo e não o de simplesmente matar a fome.
Que interessante! A transmissão da técnica ou, em outras palavras, sua divisão ou seu compartilhamento, quando ocorre, tem como função a coesão do grupo... Como isso me soa familiar...

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