sábado, 7 de setembro de 2013

Dedé Pederneiras, José Aldo e a Nova União : o nosso Agogê

Após o encerramento da luta principal do UFC Rio 4 em agosto de 2013 (José Aldo vs. Zumbi Coreano), uma das minhas elucubrações teóricas e hipotéticas, em específico, acabou ganhando força. 
Nem tanto pelo evento em si, mas, é que deixou de fazer sentido ficar batendo de frente, precisamente com essa hipótese. 
De repente ela não era mais um total e vergonhoso descabimento como até então eu vinha considerando. 
Se bem que, pensando melhor, algumas ideias realmente podem demandar mais tempo para amadurecer. 
       É claro que isso depende de cada um e varia de pessoa para pessoa. No meu caso, posso garantir que das lembranças da minha mais tenra idade, ideias bizarras não raro e inexplicavelmente surgiam em minha cabeça. Por esse motivo, sempre achei que uma certa dose de ceticismo inicial com todas as coisas que despontavam em minha mente seria uma questão de necessidade e (porque não?) de saúde mental.

     Vou dizendo desde já que nesse artigo não procurarei entrar em detalhes sobre a luta, o resultado ou sobre as características dos lutadores envolvidos. 
Mas, esses elementos, dentre outros, serão considerados em seu conjunto e no decorrer do texto. 
Já faz um tempo, talvez uns seis meses ou mais, que me ocorreu o pensamento de que a Nova União (academia fundada em 1995 no Rio de Janeiro por André Pederneiras na qual José Aldo treina com afinco) faz lembrar, e de maneira honrosa, o antigo Agogê de Esparta.

     Para refrescar a memória, o Agogê consistia em um regime extremamente rígido de treinamentos que todos espartanos deveriam se submeter. Aos oito anos de idade os meninos eram tirados dos braços de suas mães e retornariam apenas na adolescência. 
O objetivo era formar soldados com domínio de refinadas técnicas de guerra, luta e habilidades militares para a defesa da pátria. 
É importante ressaltar que, nessa época, ser um guerreiro era parte integrante da cidadania de qualquer espartano. 
Além de aprenderem técnicas de guerra com lanças, espadas, escudos e inclusive de luta (o Pancrácio era a luta-livre dos gregos), eram iniciados também nas letras, nos cálculos, na música etc. Há relatos de que os espartanos frequentemente cantavam enquanto caminhavam para um campo de batalha. 
Alguns desses cantos eram hinos patrióticos como os do poeta Tirteu que valorizavam a coragem e a bravura. O canto, a seguir, de sua autoria ajuda a ilustrar.

“Morrer na primeira fila, lutar pela pátria
É o destino mais bonito e digno de um bom guerreiro
Mas deixar a cidade e os ricos prados,
Com o seu velho pai e sua mãe amada,
E as suas pequenas crianças, e a mulher casada,
E aos grandes mendigar,
É o mais triste destino que reserva a vida.
Todos aqueles a quem a se suplica desviam-se, desprezíveis
A miséria possui-vos, a necessidade odiosa,
A desonra cai sobre quem despreza a raça,
Dos que errantes vão toda a beleza se apaga,
       E a miséria e o desprezo vão acompanhá-los,
       Ah! se morre toda a estima para com estes  vagabundos,
   Se o respeito se vai, a consideração e a piedade,
      Lutem pela pátria, orgulhosamente e morram
    Pelos nossos filhos, sem querer o nosso sangue poupar!

A escuridão da morte
deverá ser tão bem recebida quanto a luz do Sol.”

Desse modo, quando um espartano completava seus estudos no Agogê, era esperado que tivesse o seguinte perfil: disciplinado, astuto, antiintelectual, antiindividualista, obediente aos seus superiores, forte, rápido, sem medo, resistente à condições adversas e ao sofrimento, repulsa a qualquer manifestação de covardia.
A comparação feita (nesse caso por mim) entre a academia Nova União e o Agogê baseia-se em vários fatores, todos notoriamente conhecidos pelo público de MMA.
     

O líder da Nova União, André Pederneiras, em entrevista realizada pelo “O Globo Rio Bairros”, é descrito como um técnico que “economiza palavras e sorrisos. A seriedade no semblante, porém, não impede que alunos o chamem carinhosamente de Dedé – apelido sempre precedido da palavra “mestre”, numa clara demonstração de respeito”, apesar de, segundo ainda a matéria, manter “permanentemente uma postura de lutador prestes a subir no ringue”. Responsável pela colocação de vários lutadores de renome no UFC dentre os quais dois são atualmente campeões em duas categorias diferentes (José Aldo campeão dos pesos pena e Renan Barão campeão interino dos pesos galo), acaba atraindo, já há algum tempo, atletas estrangeiros em sua academia. O caso mais famoso é o do hawaiano e ex-campeão do UFC em duas categorias diferentes B. J. Penn. Curiosamente a academia reúne, em sua maioria, lutadores das categorias dos pesos leves e acabou pegando até fama por isso. Mas há lá também lutadores de categorias mais pesadas.
     Com relação aos treinos na Nova União, um certo lutador especialista nas lutas em pé passou um tempo na Nova União para aprimorar suas técnicas de luta de chão. 
Resumindo a estória, nunca tinha visto, sequer ouvido falar de tantos treinos duros num mesmo dia. 
Num dia fraco, eram trinta faixas pretas, foras os marrons e azuis
Num outro dia, teve uma aula teórica de quarenta minutos com o José Aldo, só para corrigir suas falhas. Num dia normal de treino eram mais ou menos sessenta lutadores só para treinar MMA.
    Na Nova União, nesse “batalhão de leves” como apelidou Luciano Andrade, comentarista do Canal Combate, todos sabem que os treinos são duros, ou seja, não tem vida fácil por lá. Segundo uma expressão conhecida da área, é “tempo ruim o tempo todo”. Não é por acaso que também é chamada de “fábrica de campeões”.
Ah! voltando ao amazonense José Aldo, nasceu em 1986. O pai, pedreiro, era o exemplo de homem trabalhador que serviu de espelho para o próprio filho. Mas tinha problemas com bebida. Quando alcoolizado, batia na esposa. A mãe chegou a fugir de casa e ficou um bom tempo sem fazer contato com ele e suas duas irmãs.
Sua relação com o Jiu-Jitsu é peculiar: ele gostava de dar saltos de capoeira na rua de casa. Chamava sempre a atenção de um sujeito que pedia para ele fazer alguns movimentos. Um dia esse sujeito, que na realidade era professor de Jiu-Jitsu (ninguém menos que Marco Aurélio Loro... Quem sabe, sabe...), o convidou para treinar um pouco, ver se ele pegava gosto. De inicio, a ideia lhe chamava atenção pelo simples fato de que poderia dar saltos de capoeira em um tatame, muito mais confortável para seus pés. O começo era estranho em razão de não ter um kimono, uma vez que as técnicas estão adaptadas para esse tipo de vestuário (por exemplo, a lapela do kimono é utilizada em várias técnicas de finalização). Mas sua capacidade de aprender era enorme, às vezes só pela simples observação. Ganhou um kimono do professor e deslanchou. Percebeu que poderia ganhar dinheiro com o Jiu-Jitsu, mas teria que se mudar para o Rio, a Terra da Luta
   Por meio de um contato do seu professor, foi para a academia Nova União. Caminhou do aeroporto até a academia a pé, apenas com uma mochila com roupas. Os tempos eram outros, mais difíceis. O MMA não tinha o público que tem hoje. Ainda mais que teria que aprender as modalidades de luta em pé (Boxe, Muay Thai, Tae Kwon Do, Wrestling etc). Dormia no tatame, nos locais onde não tinha goteira. Passou a trabalhar como copeiro das 12:00 hs às 16:00 hs em um restaurante apenas em troca de refeições, sem salário. Mas contava com a ajuda do chefe para pagar as inscrições nos primeiros torneios. E ainda tinha que treinar...
  No UFC Rio 4, depois que terminou a luta, declarou que seu pé “quebrou” logo no inicio da peleja, quando soltou um low kick no Zumbi Coreano. Ah! mas quem está acostumado com “tempo ruim o tempo todo”, com um pé “quebrado”... ainda dá para brincar...ops! quero dizer, lutar...
Agora, de posse dessa informação, ao reavaliar os fatos, fica fácil compreender sua escolha por um estilo de luta deveras prudente. E fez o que realmente tinha que ser feito: lutou fechadinho, boxeando, bem mais no contra golpe. Em uma palavra: conservador. E a qualquer sinal de perigo (que aliás, foram pouquíssemos), levava a luta para o chão com maestria e elegância, diga-se de passagem. 
   
A luta acabou no quarto round por knock out. Mas o ponto nem é esse.... O ponto é que nós temos no Brasil, isso mesmo, aqui, em solos tupiniquins, um Agogê (pelo menos eu estou convencido) e ainda não nos demos conta disso...

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