No UFC 137 tive o privilégio de acompanhar a luta entre B. J. Penn e Nick Diaz. Essa luta ou, mais precisamente, a maneira como ela se desdobrou passou a chamar minha atenção por um tempo, diríamos, assim, além do normal. Volta e meia, me via pensando ainda sobre ela. Não era nem tanto pelo resultado que, aliás, também estava de acordo. Mas, acredito que tenha sido, talvez, por ter-me sugerido (ou até mesmo revelado) algumas coisas de grande valor desses dois lutadores, e que não podem, de forma alguma, passar despercebidas.
Sobre isso, Nietzsche já nos alertava que “a fineza, a qualidade e a elevação de uma alma são perigosamente colocadas à prova quando passa junto a ela algo que é de primeira categoria, mas que ainda não é protegido de garras e grosserias impertinentes pelos estremecimentos da autoridade”. Dessa maneira, deixar de reconhecer, nem mesmo destacar, os possíveis significados daquela luta constitui ato de baixeza ou falta de elevação moral. É como se algo venerável e de grande valia passasse repentinamente ao seu lado sem que você seja capaz de perceber.
Nick Diaz, atualmente com 28 anos, vem do Jiu-Jitsu (equipe Cesar Gracie) mas, como se diz na gíria, com o Boxe do lado. O que para alguns pode parecer um defeito ou ponto fraco, a mim apresenta-se mais como uma característica peculiar o fato de boxear com guarda baixa. Não está sob discussão, aqui, a importância de se manter sempre a guarda erguida em um combate. Mas, se um lutador profissional mantém esse hábito a ponto de torná-lo uma característica pessoal seria necessário, ao menos do meu ponto de vista, tentar entender a(s) razão(ões) que levou(varam) à formação dessa particularidade.
Não seria exagero algum afirmar que Nick Diaz se enquadra na categoria do que se entende por garoto problema. Pelo contrário. Seria, inclusive, o mais adequado. Faltou seguidamente em duas sessões públicas da promoção do evento (foi cortado e substituído por outro lutador, mas, logo em seguida, re-convocado, pelo fato do outro lutador ter se machucado), já foi pego no antidoping (maconha) alegando, ainda, no Los Angeles Times, que se sente bem fumando maconha e que bebe uma quantidade considerável de água para passar nos exames antidopings.
Uma coisa é certa: quando um tipo de comportamento (geralmente não aceito) é colocado em prática por uma pessoa que é capaz de sustentá-lo ou assumí-lo, inclusive com certa naturalidade, isso é, na realidade, sinal de força. Essa força é percebida na medida em que os ataques, sob a forma de opiniões externas, não são capazes de derrubá-lo, ou ao menos de intimidá-lo no sentido de criar uma expectativa de perigo iminente. Ao perceber e tomar consciência dessa força, certas características normalmente valorizadas como, por exemplo, a prudência, passam a não ser tão bem-vistas ou desejáveis por essa pessoa. Talvez, até mesmo, venham a ser interpretadas como um ponto fraco. Assim, em razão dessa percepção de sua força (e não por deficiência) é que Nick Diaz dá-se frequentemente ao luxo de boxear com seus adversários com guarda baixa.
No caso de B. J. Penn, é sabido que se trata do primeiro não-brasileiro a se tornar campeão mundial de Jiu-Jitsu. Havaiano, filho de milionário e lutador, nunca houve, aparentemente, necessidade de buscar dinheiro. Mas, ao que tudo indica, sempre houve uma necessidade de se buscar alguma outra coisa. Necessidade (in)consciente de desafios? De provar algo? Para quem? Do contrário, porque ser campeão mundial de Jiu-Jitsu? O primeiro não-brasileiro? Porque a carreira de lutador de MMA? Provar o que? Força? Independência? Saber caminhar sem ajuda da família? Na noite do UFC 137 (29 de outubro de 2011), B. J. Penn passou por uma importante experiência de provação.
Resumo da luta: Três rounds de franca trocação e de total entrega de ambos os lutadores à nobre arte (Boxe). Até houve uma tentativa ou outra de levar a luta para o chão (suas especialidades), mas nada que pudesse colocar em descrédito a afirmação feita na frase anterior. Foi mais ou menos como se nossos guerreiros tivessem assinado um contrato, lavrado em cartório, comprometendo-se em não levarem a luta para o chão. Não sei não...mas deu margem para isso...
Mas não posso deixar de destacar que Penn, ao se expor e, consequentemente, se submeter a tamanha punição sem recorrer às suas ferramentas e técnicas mais preciosas e afiadas, ou seja, ao abrir mão de lutar dentro da sua zona de conforto, mostrou ser forte, no sentido mais nobre que essa palavra pode possuir. Ao se sujeitar a essa desnecessária humilhação, ainda por cima fora da sua zona de conforto, demonstrou possuir forças para caminhar sozinho e desarmado no vale das sombras e do medo até o fim. Ao sobreviver até o final da luta, em pé, com a guarda levantada e ainda boxeando, Penn passou por uma provação de vida. Perdeu a luta, porém (consciente ou inconscientemente) exorcizou um velho demônio.
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