sexta-feira, 16 de março de 2012

Nate Diaz, Donald Cerrone e Nietzsche


No UFC 141 (Lesnar vs Overeen) assisti a uma luta que, pelos seus contornos, esperava algo próximo de um épico do tipo Shogun vs Henderson (UFC 139). Mas o que assisti foi algo bem diferente. Teve de tudo para que essa luta pegasse fogo. Estamos falando de Nate Diaz (isso mesmo, o irmão mais novo de Nick que, inclusive, luta de forma semelhante) contra o cowboy Donald Cerrone, oriundo do Muay Thai. Já na coletiva houve uma provocação do Nate Diaz (parece que é de família, mesmo). Bem na hora de tirar a foto deu um tapa no lustroso chapéu do cowboy e, para variar, o circo estava montado.

Provocações por parte da família Diaz sempre me sugeriram necessidade de auto-afirmação. Mas, para saber mesmo, só conhecendo-os melhor.

Imaginei que, em razão desse desrespeito, a luta tomaria outro rumo. Nate, assim como seu irmão, é especialista na luta de chão (faixa preta de Jiu-Jitsu com Cesar Gracie) e demonstrando evolução na luta em pé (Boxe). Por outro lado, o cowboy Cerrone, especialista na luta em pé (Muay Thai) com conhecimentos de Jiu-Jitsu. Devo mencionar também que são dois lutadores em franca ascensão e com chances de disputar o cinturão da categoria.

Mas o que se passou dentro do octógono foi algo bem diferente e, do meu ponto de vista, totalmente inesperado.

A luta transcorreu toda de pé e praticamente só Nate Diaz bateu. Cerrone apanhou o tempo todo apenas com jabs e diretos e de vez em quando passava uns “rodos” no Nate, mais para tentar pontuar do que para qualquer outra coisa. Mais me pareceu que o cowboy Cerrone lutou com medo, muito medo. Daqueles paralisantes. Não conseguiu fazer nada. Cerrone, durante os três rounds da luta, me fez lembrar um típico garoto texano bem-comportado que acredita cegamente nas forças do “bem” e do “mau” aprendidas nas missas diminicais de sua cidade, que sempre deve-se temer e evitar o “mau” a qualquer preço. Cerrone, de alguma forma, incorporou a idéia de que Nate representa todo o “mau” enquanto que, ele próprio, as forças do “bem”. Por isso lutou com medo, indubitavelmente. Mas, porque não o contrário? Ou melhor, porque alguém deve essencialmente ser do “bem” ou do “mau”? Como será que isso funciona?


Nietzsche em sua Genealogia da Moral debruçou-se sobre esse problema. Nessa sua obra, ele fez uma investigação profunda sobre os valores e interpretações originalmente atribuídos à algumas palavras. Por “originalmente atribuídas” já é possível perceber que, ao longo do tempo, as palavras eventualmente podem receber (e frequentemente recebem) diferentes sentidos e ou entendimentos daqueles inicialmente construídos. Isso, por si só, já pesa em desabono contra a idéia de que as coisas tenham alguma essência, no sentido de valor imutável.

Em suas pesquisas genealógicas sobre a origem da palavra “bom”, por exemplo, em diversas línguas, essa palavra possuía conotação de “nobre”, “aristocrático”, “mais elevado” e de “alma privilegiada” enquanto que a palavra “mau” possuía sentido de “plebeu”, “vulgar” e de “baixo”.

Essa é uma maneira realmente bem aristocrática de atribuir valores e que tinha como característica a espontaneidade. Remonta aos tempos das aristocracias primitivas guerreiras.

Como contraponto, tudo que não era considerado “bom” era, necessariamente, “mau”. Aqui, podemos perceber que esses conceitos eram mutuamente exclusivos e determinados sempre a partir da primeira palavra (“bom”) configurando, também, uma espécie de auto-afirmação.

Nessa avaliação por parte do nobre, as ações e virtudes de um guerreiro, por exemplo, eram interpretadas como potência, atividade e até mesmo felicidade. Assim, guerreiros sem essas características ou, de outro modo, infelizes, medrosos, covardes, mentirosos etc, eram representados como “maus”. Perceba que é a aristocracia que, ao impor seus valores, parte apenas de si própria e, a partir disso, afirma  ou nega valores, venera-os ou despreza-os.

Por outro lado, a palavra “mau”, agora do ponto de vista do plebeu, compreenderia, de modo contrário, as virtudes dos nobres: atitudes de ação, agressividade, dominação, espírito guerreiro, sua força etc. Segundo esse modo plebeu de interpretar, o “mau” estaria associado àquele que ataca, agride, fere e domina.

De acordo com o exposto, Nietzsche acaba por defender a idéia de que não existe uma única moral. Existem “morais”. A moral do nobre, a moral dos plebeus, dos cristãos, dos judeus etc.

Nessa luta, Nate Diaz, em razão de sua espontaneidade (fez o que queria) e de seu espírito guerreiro, agressividade e dominação (do começo ao fim) deixou bem claro quem pensa como nobre e quem age como escravo, segundo Nietzsche.

Nenhum comentário:

Postar um comentário