No UFC 128 fui testemunha de um pesadelo. Assisti, com os meus próprios olhos, Maurício Shogun perder o cinturão de campeão dos pesos médios para o jovem Jon Jones. Não que exista algum problema com isso. Não é nada disso. O que me chocou foi a maneira como tudo aconteceu. Não consegui entender a luta e, em razão disso, não pude digerir ou aceitar os fatos. Quem conhece o Shogun, o histórico de suas lutas, sabe que com ele não existe luta fácil. Desde a época do saudoso Pride no Japão, evento do qual alguns lutadores brasileiros da época como Rodrigo Minotauro, o próprio Shogun, Wanderlei Silva e outros, tornaram-se lendas do MMA, quem acompanha a carreira do Shogun sabe que suas lutas costumam ser históricas, apenas para economizar nas palavras. Extremamente disputadas e com frequentes reviravoltas, se tocar o telefone em casa, é melhor pedir para alguém atendê-lo senão...
Shogun conquista o cinturão sobre o karateca (também brasileiro) Lyoto Machida no UFC 113 (maio de 2010) que foi, na realidade, uma revanche de um encontro anterior (UFC 104) em outubro de 2009, no qual os juízes tinham dado vitória por pontos para o karateca. Como a vitória por pontos para Lyoto Machida no primeiro encontro suscitou muitas dúvidas, fizeram uma segunda luta e, aí sim, Shogun venceu por knock out.
Após conquistar o cinturão, foi direto para a mesa de cirurgia (joelho). A carreira do Shogun passaria a ser marcada também por uma série de lesões e cirurgias. Não que anteriormente ele nunca tivesse passado também por isso. Mas, ao que tudo indica, foram duas cirurgias de joelho em menos de dois anos, sendo que uma delas bem séria (sem poder colocar os pés no chão por seis meses), lesão no ombro e sabe-se lá se existiram outras no caminho...
Dez meses depois presenciei, no UFC 128 (aquele que seria sua primeira defesa de cinturão), um Shogun apático, sem aquele dinamismo característico de suas lutas. Pareceu-me um Shogun machucado, muito aquém daquele Shogun que todos conhecemos. Com certeza, muito abaixo dos 100%. Se fosse possível quantificar diria, tranquilamente, que lutou menos de 50% daquilo que sabe. Mas devido a que? Por qual motivo Shogun se encontraria nessas condições? Por que aceitou lutar assim se não estava em condições? Nunca vi Shogun numa situação como essa: além de não dar trabalho algum para seu adversário, perder dessa maneira, submetendo-se a um castigo daquela monta. O que deve ter acontecido? Fiquei sem entender...
Meses depois, ocorreram umas reviravoltas no mundo do UFC. O presidente da organização, Dana White, retirou o cinturão do campeão canadense Georges St. Pierre, também conhecido como GSP, por sofrer lesões em série por dez meses, impedindo-o de defender o cinturão. Agora, GSP seria uma espécie de campeão interino da categoria e a partir da luta entre Nick Diaz e Carlos Condit (UFC 143) sairia o novo campeão que, para efetivar-se no cargo, teria que lutar com GSP quando esse estivesse recuperado.
Essa notícia me fez repensar o caso do Shogun vs Jon Jones. Teria o Shogun sofrido pressão para lutar ao custo de tornar-se campeão interino da sua categoria, também em razão de um longo período sem lutar em função de cirurgias e lesões? E o pior: longe da sua forma ideal? Caso essa hipótese esteja correta, Shogun teria que fazer uma escolha: lutar, sabendo dos riscos que corria de perder o cinturão, em razão das condições em que se encontrava ou aceitar o título interino. Como todos já sabemos, decidiu pela primeira. Ah! Eis a sina do herói grego...
Hoje em dia já estamos acostumados a enterrar nossos entes queridos em cemitérios, especificamente em tumbas que contenha o nome esculpido ou pregado em algum tipo de placa. Mas, na realidade, já nem sabemos mais a origem desse hábito. Antigamente, os mortos não eram necessariamente enterrados, muito menos seus nomes lembrados. Somente aqueles que tivessem realizado um feito muito grandioso em vida é que mereciam ter seus nomes lembrados para a posteridade. Alguém que, na tradição grega, fosse considerado um herói. E na Grécia, os heróis andavam de mãos dadas com a tragédia.
A tragédia é uma espécie de arte que exerce forte influência na literatura, no teatro, na poesia etc, até os dias de hoje.
A concepção trágica de mundo, aquela que acompanha os heróis, constitui uma idéia (grega) de um destino que não se supera, não se vence; pode até parecer que se está vencendo mas, no final, a derrota é inevitável. Essa concepção de mundo exige daqueles que a adotam, certa maturidade, uma vez que não é de seu feitio cultivar utopias e, assim, não cria grandes esperanças.
A visão trágica do mundo, ao contrário do que se possa supor, não significa um convite para vivenciar situações de desespero e ou de agonia. É uma afirmação, uma escolha pelo próprio destino, de que vale a pena enfrentar o destino, ainda que no final você seja derrotado por ele. Assim, os heróis, dentro desse contexto, possuem a coragem como característica marcante ou virtude. Por esse motivo, a felicidade não é um assunto que lhe chame a atenção ou um objetivo de vida. O herói vive, na realidade, um dilema: ter coragem de fazer aquilo que sua consciência pede ou submeter-se às leis e costumes (trabalho, família, sociedade)?
Ao escolher a primeira, o herói acaba por inspirar admiração nos outros (maioria) que escolheriam a segunda opção, mesmo sabendo que no final ele será devorado.
O caso, talvez, mais popularmente conhecido de um herói grego é o de Aquiles na guerra de Tróia. No filme, Aquiles deve escolher entre: (i) ir para a guerra com grandes riscos de morrer e (ii) ficar e viver. Como bem sabemos, escolheu a primeira. Assim, é a coragem (e não a felicidade) a métrica do herói grego.
Ao analisar por essa ótica, Shogun, ao adentrar no octógono do UFC 128 você foi o nosso herói grego, no nível mais profundo que essas palavras possam significar...
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