sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Jerry Bohlander vs. Fábio Gurgel: Constatações de um esporte em evolução

Uma luta em especial do UFC 11 (isso mesmo, lá nos primórdios) representa um exemplo claro e evidente, dentre muitos outros, de que o Brazilian Jiu-Jitsu encontra-se, ainda, em franca evolução. Unicamente em razão desse motivo é que tomarei partido em um certo problema bem conhecido dos lutadores profissionais de Jiu-Jitsu, a saber, o de lutar, ou não, na final de um torneio com um companheiro de equipe. Mas vamos com calma...
Fábio Gurgel, hoje líder e um dos fundadores da Alliance Jiu-Jitsu, casca grossa da pesada e faixa preta de Jiu-Jitsu. Várias vezes campeão carioca, várias vezes campeão brasileiro, várias vezes campeão mundial adulto, várias vezes campeão mundial master e por ai vai... Bem, quem é da área conhece...
Seu adversário era um Wrestler que praticava já na escola e que depois foi treinar com os lendários irmãos Ken e Frank Shamrock, ambos também lutadores.
Na tentativa de desenharmos a luta, temos um wrestler e um lutador de chão. Wrestlers nunca gostam de ficar de costas no chão, obviamente em razão de suas origens. (O objetivo nessa modalidade de luta é colocar o oponente de costas no chão). Já no caso do brasileiro, se isso acontecer, estará em casa. O fim da linha de um é o começo da jornada do outro...
Nesse caso, Fábio Gurgel sabe que é incrivelmente difícil derrubar esse caras e que talvez fosse o caso de, em algum momento, aceitar o jogo por baixo, raspar, cair por cima e buscar uma finalização. Desse modo, as técnicas de raspagens eram fundamentais e deveriam estar em dia. E foi o que se viu... 
Mas tinha um porém. Naquela época (nos primórdios) valia segurar na grade. Fábio Gurgel, um brutamonte pra ninguém botar defeitos, lá pelas tantas, transformou-se numa verdadeira máquina de raspar. Mais lembrava um doido varrido. Mas o americano agarrava-se desesperadamente à grade em todas as tentativas de raspagem. Para termos uma idéia melhor, a disputa de força era tamanha entre eles que a própria grade do octógono chegou a arrebentar. A cena até hoje é bizarra. Resumindo, o americano ficou por cima quase o tempo todo e venceu a luta, mesmo não tendo feito muita coisa por cima...
Mas o curioso foi precisamente aquilo que o comentarista da luta Paulão Borracha passou a chamar a nossa atenção. Nos dias atuais é uma coisa obvia, mas na época não era. Fábio Gurgel não colocava o pé na virilha, seja para fazer o triângulo, seja para empurrá-lo para tentar se levantar. Naquela época, era um Jiu-Jitsu meio que “puro” (se assim me permitirem dizer) que os lutadores levavam para o octógono. Hoje em dia, o triângulo que é ensinado nas academias de Jiu-Jitsu tem como um de seus primeiros movimentos o pé na virilha. Isso significa que o MMA (ou vale tudo para os saudosistas) transformou o Jiu-Jitsu (e continua transformando). O MMA, que teve o Jiu-Jitsu como seu criador, é quem vem modificando o próprio Jiu-Jitsu. É a criatura transformando e fazendo evoluir o seu criador!! Além do mais, não sei dizer se há alguma modalidade de luta que em 20 anos tenha evoluído tanto quanto essa. Boxe? Muay Thai? Wrestler? Não sei... Eu não acredito...
E desde então, o Jiu-Jitsu vem se adaptando, se transformando, recebendo influências de fora, em permanente contato com as novas gerações. Ai surge um problema novo, típico de situações com essas características, a saber, ambientes nos quais inovações e criações são uma constante: Dividir ou não dividir a descoberta com seus pares? Nesse caso, considero os pares como os próprios parceiros de treino que, eventualmente, podem ser seus adversários em torneios, inclusive em finais. Dividir técnicas novas com os companheiros ou não? Deixarei aqui minha posição e tentarei fundamentá-la mais adiante. Sou da posição de que se dois lutadores de graduação máxima em uma modalidade que está em fraca evolução, que estejam inovando, criando e aperfeiçoando técnicas novas, se encontrarem numa final de torneio e optarem por não lutar, então que assim seja.
São duas coisas que devem ser levadas em consideração: Se eles forem obrigados a lutar, significa que um vencerá e possivelmente não venham a discutir e dividir técnicas novas juntos, de inovarem, enfim, de treinarem juntos. A conseqüência imediata é que o desenvolvimento trava. O público até ganha, mas a evolução do esporte fica comprometida. Por outro lado, se um abre mão e aceita o segundo lugar, o público pode não gostar, mas as condições para a continuidade da evolução do esporte permanecem asseguradas.
É claro que não existe uma resposta certa, verdade absoluta ou coisas desse tipo. Posto o problema dessa forma, apenas opiniões podem ser expressas. Mas simpatizo com a idéia (e mais ainda com a possibilidade) de presenciar a evolução de uma arte marcial, testemunhar a forma como as coisas vão se transformando, os atores envolvidos etc.
Mas é curioso como encontramos paralelos na ciência. Esse problema de dividir ou não com seus semelhantes uma habilidade original não é exclusivo de nós seres humanos.
Os macacos-prego são bem conhecidos em nossa terra, mas, até alguns anos atrás, eram totalmente ignorados pela ciência em estudos do comportamento dos primatas.
Por volta de 2004, pesquisadores do Brasil, Itália e Estados Unidos constataram algo que beira o revolucionário na Biologia: os macacos-prego utilizam ferramentas na vida selvagem e transmitem essas habilidades para as próximas gerações.
Não que seja a única espécie primata a possuir essa habilidade. Nos anos 70, foi constatado que alguns chipanzés transmitem culturalmente algumas habilidades tais como o uso de vareta para pegar mel e apanhar formigas. Alguns gorilas conseguem usar pedras e paus para quebrar cocos.
Segundo a Biologia, até ai, tudo bem. Gorilas e chipanzés estão próximos do homem na escala evolutiva. Mas, de acordo com a pesquisadora da USP Patrícia Izar, o macaco-prego encontra-se em tronco que divergiu há pelo menos 40 milhões de anos e a idéia de que um parente muito distante conseguiu desenvolver e usar ferramentas coloca em cheque toda a idéia de que a nossa espécie seria a única detentora dessa capacidade.
Interessante como tudo veio à tona. Imagens dos nossos simpáticos macaquinhos usando ferramentas foram divulgadas mundialmente por acaso. Em 2004, um fotógrafo britânico visitou uma fazenda turística no Piauí e presenciou macacos-prego levantarem, até a altura da cabeça, uma pedra com apenas uma das mãos e atirá-la certeiramente contra um coquinho no chão. A cena rodou o mundo, com direito a BBC e tal.
Nossos pequenos e travessos piauienses ficaram famosos e importantes. Chegou ao ponto do professor do Departamento de Antropologia Biológica e Anatomia da Universidade de Duke Carel van Schaik iniciar uma nova linha de investigação ao propor um modelo teórico que explicasse o advento de culturas associadas ao uso de ferramentas. Em uma conferência, afirmou que
Se a cultura pode ser definida como uma inovação seguida de transmissão social, estamos encontrando padrões sugestivos de que estamos, sim, diante de culturas”.
De acordo com seu modelo, esse comportamento dependia de três fatores: a) Predisposição genética (cérebros grandes e destreza manual); b) Fatores ambientais (como dependência de alimentos de acesso complicado) e c) Comportamento tolerante dos adultos (que os mais novos tenham oportunidades de ficar perto dos adultos e, assim, conseguir aprender a técnica).
Um momento: Predisposição genética, dificuldades para obter alimento e aproximar-se dos adultos para aprender técnicas? Carel van Schaik está se referindo aos nossos macacos-prego ou aos nossos lutadores de Jiu-Jitsu?  Agora fiquei na dúvida...
Especificamente a respeito do terceiro fator, Eduardo Ottoni, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, observa que “uma possibilidade é que os machos adultos permitam a presença dos mais jovens e os deixem comer os restos como uma forma de chamar a atenção das fêmeas”.
Ainda sobre esse assunto, Patrícia Izar levanta a hipótese de que a transmissão do uso de ferramentas teria a função de manter a coesão social do grupo como um todo e não o de simplesmente matar a fome.
Que interessante! A transmissão da técnica ou, em outras palavras, sua divisão ou seu compartilhamento, quando ocorre, tem como função a coesão do grupo... Como isso me soa familiar...

sábado, 7 de setembro de 2013

Dedé Pederneiras, José Aldo e a Nova União : o nosso Agogê

Após o encerramento da luta principal do UFC Rio 4 em agosto de 2013 (José Aldo vs. Zumbi Coreano), uma das minhas elucubrações teóricas e hipotéticas, em específico, acabou ganhando força. 
Nem tanto pelo evento em si, mas, é que deixou de fazer sentido ficar batendo de frente, precisamente com essa hipótese. 
De repente ela não era mais um total e vergonhoso descabimento como até então eu vinha considerando. 
Se bem que, pensando melhor, algumas ideias realmente podem demandar mais tempo para amadurecer. 
       É claro que isso depende de cada um e varia de pessoa para pessoa. No meu caso, posso garantir que das lembranças da minha mais tenra idade, ideias bizarras não raro e inexplicavelmente surgiam em minha cabeça. Por esse motivo, sempre achei que uma certa dose de ceticismo inicial com todas as coisas que despontavam em minha mente seria uma questão de necessidade e (porque não?) de saúde mental.

     Vou dizendo desde já que nesse artigo não procurarei entrar em detalhes sobre a luta, o resultado ou sobre as características dos lutadores envolvidos. 
Mas, esses elementos, dentre outros, serão considerados em seu conjunto e no decorrer do texto. 
Já faz um tempo, talvez uns seis meses ou mais, que me ocorreu o pensamento de que a Nova União (academia fundada em 1995 no Rio de Janeiro por André Pederneiras na qual José Aldo treina com afinco) faz lembrar, e de maneira honrosa, o antigo Agogê de Esparta.

     Para refrescar a memória, o Agogê consistia em um regime extremamente rígido de treinamentos que todos espartanos deveriam se submeter. Aos oito anos de idade os meninos eram tirados dos braços de suas mães e retornariam apenas na adolescência. 
O objetivo era formar soldados com domínio de refinadas técnicas de guerra, luta e habilidades militares para a defesa da pátria. 
É importante ressaltar que, nessa época, ser um guerreiro era parte integrante da cidadania de qualquer espartano. 
Além de aprenderem técnicas de guerra com lanças, espadas, escudos e inclusive de luta (o Pancrácio era a luta-livre dos gregos), eram iniciados também nas letras, nos cálculos, na música etc. Há relatos de que os espartanos frequentemente cantavam enquanto caminhavam para um campo de batalha. 
Alguns desses cantos eram hinos patrióticos como os do poeta Tirteu que valorizavam a coragem e a bravura. O canto, a seguir, de sua autoria ajuda a ilustrar.

“Morrer na primeira fila, lutar pela pátria
É o destino mais bonito e digno de um bom guerreiro
Mas deixar a cidade e os ricos prados,
Com o seu velho pai e sua mãe amada,
E as suas pequenas crianças, e a mulher casada,
E aos grandes mendigar,
É o mais triste destino que reserva a vida.
Todos aqueles a quem a se suplica desviam-se, desprezíveis
A miséria possui-vos, a necessidade odiosa,
A desonra cai sobre quem despreza a raça,
Dos que errantes vão toda a beleza se apaga,
       E a miséria e o desprezo vão acompanhá-los,
       Ah! se morre toda a estima para com estes  vagabundos,
   Se o respeito se vai, a consideração e a piedade,
      Lutem pela pátria, orgulhosamente e morram
    Pelos nossos filhos, sem querer o nosso sangue poupar!

A escuridão da morte
deverá ser tão bem recebida quanto a luz do Sol.”

Desse modo, quando um espartano completava seus estudos no Agogê, era esperado que tivesse o seguinte perfil: disciplinado, astuto, antiintelectual, antiindividualista, obediente aos seus superiores, forte, rápido, sem medo, resistente à condições adversas e ao sofrimento, repulsa a qualquer manifestação de covardia.
A comparação feita (nesse caso por mim) entre a academia Nova União e o Agogê baseia-se em vários fatores, todos notoriamente conhecidos pelo público de MMA.
     

O líder da Nova União, André Pederneiras, em entrevista realizada pelo “O Globo Rio Bairros”, é descrito como um técnico que “economiza palavras e sorrisos. A seriedade no semblante, porém, não impede que alunos o chamem carinhosamente de Dedé – apelido sempre precedido da palavra “mestre”, numa clara demonstração de respeito”, apesar de, segundo ainda a matéria, manter “permanentemente uma postura de lutador prestes a subir no ringue”. Responsável pela colocação de vários lutadores de renome no UFC dentre os quais dois são atualmente campeões em duas categorias diferentes (José Aldo campeão dos pesos pena e Renan Barão campeão interino dos pesos galo), acaba atraindo, já há algum tempo, atletas estrangeiros em sua academia. O caso mais famoso é o do hawaiano e ex-campeão do UFC em duas categorias diferentes B. J. Penn. Curiosamente a academia reúne, em sua maioria, lutadores das categorias dos pesos leves e acabou pegando até fama por isso. Mas há lá também lutadores de categorias mais pesadas.
     Com relação aos treinos na Nova União, um certo lutador especialista nas lutas em pé passou um tempo na Nova União para aprimorar suas técnicas de luta de chão. 
Resumindo a estória, nunca tinha visto, sequer ouvido falar de tantos treinos duros num mesmo dia. 
Num dia fraco, eram trinta faixas pretas, foras os marrons e azuis
Num outro dia, teve uma aula teórica de quarenta minutos com o José Aldo, só para corrigir suas falhas. Num dia normal de treino eram mais ou menos sessenta lutadores só para treinar MMA.
    Na Nova União, nesse “batalhão de leves” como apelidou Luciano Andrade, comentarista do Canal Combate, todos sabem que os treinos são duros, ou seja, não tem vida fácil por lá. Segundo uma expressão conhecida da área, é “tempo ruim o tempo todo”. Não é por acaso que também é chamada de “fábrica de campeões”.
Ah! voltando ao amazonense José Aldo, nasceu em 1986. O pai, pedreiro, era o exemplo de homem trabalhador que serviu de espelho para o próprio filho. Mas tinha problemas com bebida. Quando alcoolizado, batia na esposa. A mãe chegou a fugir de casa e ficou um bom tempo sem fazer contato com ele e suas duas irmãs.
Sua relação com o Jiu-Jitsu é peculiar: ele gostava de dar saltos de capoeira na rua de casa. Chamava sempre a atenção de um sujeito que pedia para ele fazer alguns movimentos. Um dia esse sujeito, que na realidade era professor de Jiu-Jitsu (ninguém menos que Marco Aurélio Loro... Quem sabe, sabe...), o convidou para treinar um pouco, ver se ele pegava gosto. De inicio, a ideia lhe chamava atenção pelo simples fato de que poderia dar saltos de capoeira em um tatame, muito mais confortável para seus pés. O começo era estranho em razão de não ter um kimono, uma vez que as técnicas estão adaptadas para esse tipo de vestuário (por exemplo, a lapela do kimono é utilizada em várias técnicas de finalização). Mas sua capacidade de aprender era enorme, às vezes só pela simples observação. Ganhou um kimono do professor e deslanchou. Percebeu que poderia ganhar dinheiro com o Jiu-Jitsu, mas teria que se mudar para o Rio, a Terra da Luta
   Por meio de um contato do seu professor, foi para a academia Nova União. Caminhou do aeroporto até a academia a pé, apenas com uma mochila com roupas. Os tempos eram outros, mais difíceis. O MMA não tinha o público que tem hoje. Ainda mais que teria que aprender as modalidades de luta em pé (Boxe, Muay Thai, Tae Kwon Do, Wrestling etc). Dormia no tatame, nos locais onde não tinha goteira. Passou a trabalhar como copeiro das 12:00 hs às 16:00 hs em um restaurante apenas em troca de refeições, sem salário. Mas contava com a ajuda do chefe para pagar as inscrições nos primeiros torneios. E ainda tinha que treinar...
  No UFC Rio 4, depois que terminou a luta, declarou que seu pé “quebrou” logo no inicio da peleja, quando soltou um low kick no Zumbi Coreano. Ah! mas quem está acostumado com “tempo ruim o tempo todo”, com um pé “quebrado”... ainda dá para brincar...ops! quero dizer, lutar...
Agora, de posse dessa informação, ao reavaliar os fatos, fica fácil compreender sua escolha por um estilo de luta deveras prudente. E fez o que realmente tinha que ser feito: lutou fechadinho, boxeando, bem mais no contra golpe. Em uma palavra: conservador. E a qualquer sinal de perigo (que aliás, foram pouquíssemos), levava a luta para o chão com maestria e elegância, diga-se de passagem. 
   
A luta acabou no quarto round por knock out. Mas o ponto nem é esse.... O ponto é que nós temos no Brasil, isso mesmo, aqui, em solos tupiniquins, um Agogê (pelo menos eu estou convencido) e ainda não nos demos conta disso...

segunda-feira, 25 de março de 2013

Minotauro, Bob Sapp e René Descartes: Luto, logo existo!


Existe um teste que mede a probabilidade de uma pessoa infartar: o Teste de Framingham. Assistir a uma luta do Minotauro não fica muito longe disso. Lenda do MMA, ajudou a escrever a história do esporte com sangue, suor e lágrimas. Aos onze anos de idade ficou quatro dias em coma e um ano internado. Fora atropelado por um caminhão. Em uma de suas entrevistas relata que, brincando com amiguinhos, subiu na carroceria de um caminhão. Quando o motorista o ligou, as crianças saltaram pela lateral. Mas, o pequeno Antônio Rodrigo saltou pela traseira e acabou caindo de costas no chão. Quando a marcha ré foi engatada... 

Diziam que os próprios médicos não acreditaram em sua sobrevivência. Até o diafragma teve que ser reconstruído.

Minotauro passou por muitos testes e provações em sua vida (ao que tudo indica, esse deve ter sido o primeiro). E em um certo número deles sempre com chances extremamente desfavoráveis. Sua luta com o ex-jogador de futebol americano Bob Sapp em agosto de 2002 é mais um exemplo.

Bob Sapp pode ser, de certa forma, descrito como um gigante 1,96 m de altura e 171 quilos de músculos, todos muito bem pesados na véspera da luta. 

Uma das versões que se comentava na época sobre o casamento dessa luta era que os promotores japoneses do Pride (principal organização de lutas do momento) queriam penalizar Minotauro por ter lutado em um evento concorrente UFO-Legend, também japonesa.
   
Mas, quem já teve, uma vez na vida, a experiência de ficar em baixo de, aproximadamente, seis toneladas, com certeza não se deixa amedrontar tão facilmente com 171 quilos...

O que chama a atenção nisso tudo é a atitude, por parte do Minotauro, em aceitar o desafio. Enquanto os outros entendiam sua derrota como certa e verdadeira, Minotauro ainda tinha lá suas dúvidas. Estaria ele sendo racional?

Certeza, verdade, dúvida, razão... Como não lembrar de René Descartes? Sim, o pai do racionalismo e fundador da Filosofia Moderna. Autor do famoso “Discurso do Método”, defendia a ideia revolucionária de que a dúvida seria o primeiro passo para o conhecimento. O seu método de pensamento (método cartesiano) baseava-se no ceticismo metodológico que, de forma resumida, consiste em duvidar das coisas que não são muito claras e ou compreensíveis. Isso é diferente do Ceticismo, uma vez que esse último constitui uma espécie de atividade ou postura crítica permanente sobre tudo e para com todos, e não apenas sobre aquilo que não está razoavelmente claro. Rompe com os gregos para quem as coisas existiam porque simplesmente deveriam existir e pronto. Mas, pelo método cartesiano, a comprovação da existência de algo deve ser demonstrada, deve passar pelo crivo da dúvida, deve ser contestada, pelo menos num primeiro momento.

Mudou para sempre a forma de se pensar e de filosofar quando propôs sua famosa expressão cogito, ergo sum (penso, logo existo). Ao ser capaz de questionar e duvidar, chegou à conclusão de que a única coisa de que não podia duvidar era do próprio fato de que duvidava, de que realizava um pensamento, qualquer que fosse. Se penso, então existo!

Nesse instante, René Descartes distingue coisa que “pensa” (res cogitans) de coisa que simplesmente “ocupa espaço” (res extensa). Essas seriam coisas totalmente diferentes.

Voltemos à luta: Com relação ao primeiro round (que no Pride era de dez minutos), a impressão que tive é que um caminhão passava novamente por cima de Minotauro. Bob Sapp bateu “doído”, como se diz na gíria. Judiou. Minotauro chegou até mesmo a “apagar” com um “pilão” logo no início da luta. Ainda bem que, logo em seguida, conseguiu acordar com um dos socos de Bob Sapp.

Muitas tentativas de “double lag” por parte de Minotauro, mas derrubar 171 quilos é complicado. Bob Sapp aproveitava e caia por cima para bater mais um pouco. A vida ficou ainda mais difícil para Minotauro quando esse se agarrou na perna esquerda de Bob Sapp e lá ficou de ponta-cabeça por um tempo (obviamente na tentativa de uma chave de calcanhar). Bob Sapp, num momento de esperteza, dobrou o joelho direito, colando, assim, sua perna com a parte traseira da coxa, Mirou e, com todo o peso do seu corpo, caiu de joelho sobre a cabeça do Minotauro.
Interrupção médica. Enorme inchaço na região do olho esquerdo do Minota. Os médicos deram um “ok” e a luta continuou. Tempo ruim o tempo todo. Fim do primeiro round. A equipe do brazuca estava desesperada e queria jogar a toalha. Mas, Minotauro, brasileiro que não desiste nunca, achava que dava para ganhar. O gigante já dava sinais de cansaço. É sempre bom lembrar que, nas artes marciais, é recorrente a ideia de que a técnica supera a força.

O segundo round era de cinco minutos. Mas, Minotauro precisou de menos: Faltando um minuto para o término do round, Minotauro, por baixo, consegue girar seu corpo e ficar por cima. Começa a bater um pouco e para. Ao perceber que estava diante de uma real possibilidade de finalizar a luta, Minotavai para o braço”.
Num arm-lock (chave de braço) arrematador, Minotauro, a lenda, leva mais um braço, desta vez o de Bob Sapp, para o interior de seu tenebroso e sombrio labirinto e, em meio a mais um de seus rituais sangrentos, prepara mais um banquete. Minotauro, dessa vez, é quem passa o caminhão por cima. A vida ensina. Aprende quem quiser. Supera quem puder. 


Minotauro: venceu porque pensou (res cogitans). Bob Sapp: coisa que ocupa espaço (res extensa).

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Cigano, Velasquez e a questão da virtude: Parte II


No UFC on Fox 1, em 2011, todos acompanhamos a vitória do Cigano sobre o Velasquez e consequentemente sua tomada de cinturão de campeão da categoria (peso-pesado). Até escrevi sobre o evento abordando a questão da virtude, que não há um consenso sobre a acepção dessa palavra, mas que, mesmo assim, sempre fora empregada expressando diferentes valores em diferentes povos e períodos.

Uma vez, voltando de carona para casa com outro querido professor e amigo Maurício Wieler Orellana, conversávamos sobre coisas variadas: Formas de Governo, Sociologia, Filosofia, Futebol, mas principalmente MMA. Especulávamos até mesmo sobre a possibilidade de que, com relação ao futuro da categoria dos pesados do UFC, o cinturão ficasse alternando de mãos entre Velasquez e Cigano, uma vez que achávamos que ambos eram, aparentemente, os melhores dessa categoria.

Mas o tempo passou e Velasquez fez uma luta contra nosso bravo Antônio Pezão. Venceu bem e sem dar chance. Na primeira oportunidade que teve, derrubou-o e, com um ground and pound extremamente eficiente, abriu um corte na testa de tal magnitude que em pouco tempo estavam lutando sobre uma poça de sangue. O juiz teve mesmo que interromper. Não tinha jeito.

Com o afastamento de Overeem pela Comissão Atlética do Estado de Nevada (adivinhe o motivo!), a revanche, mais do que esperada, foi marcada para o UFC 155, o último do ano de 2012.

Velasquez, com seu jeito disciplinado de ser, teria que estudar e encontrar falhas no jogo de Boxe do Cigano, tido por muitos como o de melhor qualidade no UFC, quiça do MMA. Teria que ser extremamente dedicado e metódico para cumprir sua promessa de recuperar o cinturão.

Ah, que curioso! E que coincidência! Isso me levou a pesquisar como os gregos entendiam e faziam uso da palavra virtude. Sim, aquele povo que seis séculos antes de cristo mudou para sempre o modo de pensar do homem.

Há muitas coisas que podem (e devem) ser comentadas e abordadas sobre esse povo. Mas, chamarei a atenção apenas para duas: beleza e virtude.

A ideia de beleza para os gregos passava pelo seguinte raciocínio: Apenas o ser humano seria capaz de apreciar e contemplar o belo. Dessa forma, precisamente por ser o único capaz dessa proeza, isto é, de reconhecer e contemplar a beleza, deveria ser, como que por extensão, o único capaz de produzí-la.

Uma possível consequência desse modo próprio de pensar é que a beleza seria uma ideia que, na realidade, só poderia ser encontrada no interior do ser humano, uma vez que seria, de acordo com os gregos, seríamos os únicos capazes de percebê-la e de criá-la.

E para produzir o belo, isto é, para externar aquilo que se admira e se contempla, seria necessário possuir uma característica peculiar: a virtude.

A virtude, para os gregos, era uma habilidade humana que consistia em alcançar a perfeição em um aspecto qualquer da vida. Por exemplo, um escultor seria virtuoso se buscasse e alcançasse a perfeição em cada uma de suas obras. Vale lembrar que para os gregos, beleza e virtude eram mais importantes do que o simples acúmulo de riquezas.

Eis que temos Cain Velasquez, o virtuoso. Velasquez estudou, em conjunto com sua equipe, com paciência e atenção o jogo do Cigano e treinou até a exaustão a(s) brecha(s) encontrada(s). Não sei, na realidade, se foram detectadas mais de uma, mas uma, em especial, ele deixou bem claro nos 5 rounds de sofrimento imposto ao brasileiro: a distância no jogo de Boxe do Cigano. Isso mesmo. Relembrando e revendo as lutas do nosso Boxer brasileiro, fica claro que ele sempre se apresentava muito bem (até então estava invicto) quando conseguia impor uma determinada distância. Foram 5 rounds de uma perseguição brutal, implacável e desenfreada de Cain Velasquez para cima do Cigano, de modo a “quebrar” a tal distância.

Essa foi uma idéia tão sutil quanto trágica. Mas essa é a lógica do MMA: Quando se está deveras acostumado com um determinado recurso e ele foi devidamente identificado e imperdoavelmente anulado pelo oponente, deve-se, necessariamente, estar aberto para aprender outros recursos. O MMA exige que o lutador esteja sempre em evolução. E esse foi o caso do Velasquez.

É claro que ficamos surpresos com o desempenho do Cigano. Mas, frases como: “Ah! O Cigano estava irreconhecível!” ou “Não acredito no que estou vendo!” acabam sendo uma consequência natural. Depois, vieram a tona notícias da vida pessoal do Cigano, a saber, de que estava recém-divorciado, fato que teria atrapalhado o foco e a concentração na luta. Não duvido disso e acredito, realmente, que poderia estar ainda com problemas pessoais na cabeça. Mas não podemos desmerecer a vitória que foi pensada, esboçada, elaborada, planejada, exaustivamente ensaiada e, enfim, construída pelo Velasquez.

O homem com orgulho de suas raízes tatuada no próprio peito realizou um belo trabalho, digno de admiração e contemplação. De modo obstinado, alcançou a perfeição naquilo que se propôs a fazer. Na Grécia antiga, Cain seria chamado de “Velasquez, o virtuoso”.

Pezão, Overeem e Heidegger: Sobre uma vida autêntica ou inautêntica





Ah, Pezão! Como não se solidarizar com sua causa? Antônio “BigFoot” Silva: brasileiro da Paraíba, peso-pesado, faixa preta em Jiu-Jitsu, Judô e Karatê, apesar de sofrer de acromegalia que causa alargamento de características faciais e do corpo em adultos, em razão do aumento da secreção do hormônio do crescimento (GH e IGF-I). Quando ocorre na adolescência chama-se gigantismo. Como possíveis efeitos dessa doença, os portadores podem vir a ter cefaleia, distúrbios visuais, perda de campo visual, paralisia de pares cranianos entre outras coisas. E para complicar um pouco mais as coisas, escolheu a carreira de lutador de MMA.

Ainda no início, fez quatro lutas no evento EliteXC. Venceu todas e depois doou 100 mil reais para uma instituição de caridade. Já em 2008, no mesmo evento, obteve o cinturão de peso-pesado por TKO no segundo round, mas foi pego no antidoping com esteroide anabolizante boldenona. Foi suspenso e multado em 2.500 dólares pela Comissão Atlética do Estado da Califórnia. De acordo com seu empresário Alex Davis, o resultado positivo para essa substância deu-se em razão do uso de Novadex para combater os baixos níveis de testosterona oriundos da acromegalia. Na época, gastava entre 6.000 e 8.000 dólares por mês apenas com sse tipo de medicação e segundo a defesa de seu empresário, ele (Pezão) “precisa ser capaz de continuar a lutar para ganhar a vida”.

No Strikeforce, perdeu na estreia mas, em seguida, construiu uma sequência de vitórias. Uma delas entrou para a história do MMA: lutou contra ninguém menos do que a lenda russa Fedor Emilianenko. Para quem ainda não o conhece, saiba que a grande dúvida dos especialistas em MMA está em saber quem é o melhor lutador de MMA de todos os tempos? Anderson Silva ou Fedor Emilianenko? Mesmo desacreditado, Pezão foi lá e... venceu!
No UFC 156, Pezão teria pela frente Alistair Overeem: lutador de MMA holandês (nascido na Inglaterra) oriundo do Kickboxing. Foi campeão no K-1 e possui um cartel muito bom. Mas se analisarmos mais de perto notaremos que, contra os brasileiros, Overeem cansou de levar a pior com os brasileiros na década passada: 6 a 2. Venceu as duas vezes contra o Vitor Belfort, mas foi derrotado em seis lutas contra os brazucas: Antônio Rogério Nogueira (2 vezes), Maurício Shogun (2 vezes), Ricardo Arona e Fabrício Werdum.

     Depois dessa experiência, Overeem ficou gigante (anabolizantes?) passando a lutar como peso-pesado. A partir daí, não era incomum Overeem ter que cancelar combates em razão dos resultados de testes antidoping. Contra o Cigano foi apenas mais um dos vários casos. Por essas e outras, foi ai que Overeem ganhou fama de ter sido “fabricado em laboratório”.
No UFC 156, esses dois gigantes se encontraram. Aliás, já era para eles terem lutado anteriormente, no Strikeforce (diz a lenda que Overeem se lesionou). Mas parece que Overeem andou falando coisas que não devia ou pelo menos que desrespeitaram o Pezão. É claro que não saiu tudo na imprensa. Apenas bobagens do tipo: “Ele (Pezão) é um bebê chorão” e “Sou bem melhor do que ele na trocação” foram veiculadas. Mas nos bastidores...


Mais uma vez, Pezão vai à luta desacreditado. Só que dessa vez com o agravante de (segundo o que todos diziam) ter sido desrespeitado, mesmo sem ter saído na imprensa o que realmente aconteceu. Pronto! Estava montado uma peça de teatro de gênero dramático: sentimentos de arrogância, humilhação, petulância, vingança etc.

     Mas esses dois cidadãos me fizeram lembrar mais uma vez de Heidegger, só que por motivos diferentes. Heidegger, representante da Fenomenologia (movimento filosófico), lá pelas tantas desenvolveu os conceitos de “vida autêntica” e “vida inautêntica”. Para Heidegger, o homem comum que leva uma vida superficial e de aparências, que vive apenas e tão somente no dia a dia das notícias, sem curiosidade e tampouco profundidade, experimenta uma vida inautêntica. No entanto, quando o homem abre mão dessa vida superficial, sem reflexão e, portanto, inautêntica, começa a experimentar um sentimento de angústia que reflete o drama da existência humana, como se estivesse constantemente em uma encruzilhada, que tivesse que decidir, escolher, de modo consciente, sobre como vai ser sua vida. Só assim tem-se aquilo que Heidegger chamou de vida autêntica.
Isso tem uma implicação importante: quando paramos para pensar na vida, não se trata apenas de lembrar o passado ou de imaginar o futuro. Diz respeito a uma atitude de reflexão sobre a nossa existência e como ela se projeta na vida, a partir de uma consciência, e responsabilizar-se pelas decisões. Nesse caso, deve ficar bem claro: não basta recordar ou imaginar. É necessário refletir, julgar e decidir.
No primeiro round, não houve muita coisa. Mas o Pezão entrou com um jogo justo e “fechadinho” como se diz na gíria. Foi prudente (podemos dizer que Pezão vivenciava sua angústia pessoal e conscientemente e fez suas próprias escolhas sobre como lutar). Overeem, uma montanha de músculos sempre com guarda baixa, apenas intimidava (ênfase na aparência e superficialidades). Ficaram um bom tempo na grade.

No segundo round, Overeem levou Pezão para o chão e ficou só “cozinhando o galo”. Nada. Só no final quando o árbitro reiniciou a luta em pé é que o Pezão se deu conta de que seu oponente não era tudo aquilo (aparência). Em 20 segundos de trocação franca, Pezão mandou-lhe uma joelhada que balançou o holandês.



Aí, no terceiro round, foi fácil. Pezão pode ter vários problemas, mas medo de aparência, com certeza ele não deve ter. Nem faz sentido isso para ele. Partiu para a porrada mesmo, sem medo nem piedade. De maneira violenta e com toda a autenticidade que lhe é peculiar, Pezão demoliu o demolidor de forma humilhante e desrespeitosa. Vamos e convenhamos, vai: É degradante para um lutador daquele tamanho ser derrotado da maneira como foi. 

Mas, enfim, Overeem vai ter que aprender a lidar com mais essa derrota para brasileiro. E isso não é, de modo algum, problema do Pezão. Ele já tem muitos problemas e encruzilhadas em sua vida, diríamos assim, autêntica.